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A Universidade de Coimbra justificou da seguinte maneira o título de Doutor Honoris Causa ao cidadão Lula da Silva: “a política transporta positividade e com positividade deve ser exercida. Da poesia para o filósofo, do filósofo para o povo. Do povo para o homem do povo: Lula da Silva”

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Lula, um filho do Brasil



Lula, um filho do Brasil



Por Urariano Mota



Recife (PE) - Há menos de 48 horas, assisti ao filme “Lula, o filho do Brasil”. Essa é uma obra que a gente vê com algumas idéias prévias, porque nunca, na história, se falou tão mal de um filme. Nos jornais, na tevê, nas revistas, antes da estréia o filme que não conhecíamos era propaganda eleitoral, vigarice, com uso desonesto da máquina pública. Hoje, nos jornais, o filme mudou para a categoria de obra medíocre, indigna de ser vista. Nos textos e chamadas vem agora a mensagem que não é mais subliminar: “Grande público, corra desse filme”. Sabemos todos quanto os meios de comunicação prezam a inteligência e sensibilidade humana.


Então o colunista, que faz parte desse grande público, concluiu: se falam tão mal, e com tamanha insistência, a obra tem valor. E por isso fui, e vi.


Já no começo, há um choque no peito, que toma conta da gente, enquanto vê as cenas: terra seca, brasileiros partindo de pau-de-arara rumo a uma tentativa de vida melhor. Como tantos e muitos outros até hoje, poderia ser dito, é certo, mas com a diferença, e aí é que vem o maior choque, o saber que um desses brasileiros partiu da carência de tudo para chegar a ser o presidente mais popular do mundo. É como se fosse uma fábula real. Melhor: é uma fábula verdadeira, é um Andersen de final feliz, o patinho menos que feio se transformar em muito mais que um cisne.


Mas então a gente pigarreia, espanta a emoção, e cai em outras imagens comoventes. Em conceitos moventes, que movem toda a gente. Por exemplo, as ideias dos pobres na crença do valor do trabalho. Em um tempo de tanta sacanagem, como são bem-vindas essas lições/ideias. Há uma cena irresistível, quando o Lula adolescente suja com óleo o macacão limpo, para se exibir à vizinhança e à mãe. Eu sou um trabalhador, mãe. Eu agora sou gente. Ela sorri. E vem crescendo com ele, a partir daí, até ser ultrapassada pela vida do rebento, a pessoa dessa mãe. Ela, ali como aqui, ali como em todo lugar, é uma fundadora de personalidade.


No entanto, não existe apelação, apelo sentimental, sentimentalismo em “Lula, o filho do Brasil”. Os olhos mais críticos já fizeram a justa observação de que o filme é desprovido de ritmo ou tensão dramática. Ou seja, nele não há um conflito básico, ou conflitos cruciais desenvolvidos à emoção veloz ou com paciência multiplicados. Nem mesmo, o que seria propaganda pura, mas dentro da “gloriosa” tradição de Hollywood, o herói sozinho contra o resto do mundo, o self-made-man típico, que se faz só. É inesquecível a cena do discurso no estádio, quando um alto-falante coletivo é construído pela multidão de sindicalistas, que gritam em sucessivas ondas um discurso.


No filme não há tampouco o cara de moral incorruptível. Pelo contrário, em mais de uma oportunidade, vemos a sobrevivência esperta a favor do humano. Assim, um filho mente para o pai analfabeto, e escreve o contrário da vontade do pai, quando escreve à mãe que venha para São Paulo. (“Venha para não morrer”, sabemos.) Ou quando Lula, um secretário do sindicato, usa de toda a argúcia para ganhar o coração da mulher por quem está apaixonado.


É verdade que em mais de uma ocasião a gente vê o personagem Lula transbordar das imagens, porque sabemos algo de sua história e importância. Então sentimos, percebemos o personagem ir além das margens extremas da tela. Isso não se dá só pela duração do filme, pela quantidade de anos de vida selecionados – isso se faz pelos momentos essenciais que ficam ocultos. As coisas mais cruas e duras são omitidas. Por exemplo, quando o Lula menino pegou da boca de um colega o chiclete mascado. Por exemplo, quando bebeu da água que até os animais rejeitam. Ou a intensidade da dor de ver a mulher falecer de parto, como tantos pobres do Brasil já viram, e jamais tiveram a sua dor expressa.


É horrível o esquemático – o corte de qualquer filme na construção de um personagem gera insatisfação. Os recursos com que a literatura conta não sobrevivem na cirurgia da montagem. Pior, a escolha nem sempre é a mais sensível, onde cortar, onde avultar, onde crescer. Lula, o personagem, sabemos todos, é maior que o PT, é bem maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos muitos severinos, joões, marias e lindus.


No fim do filme, na imagem imóvel da posse presidencial, ouvimos Luiz Gonzaga. Então nos levantamos, muito contra a vontade, com uma certeza: toda a luta, a luta toda valeu a pena. “Só trazia a coragem e a cara, viajando num pau-de-arara”, ouvimos. E concluímos, em silêncio: eu penei, mas aqui cheguei.



Colaboração enviada para o "Quem tem medo do Lula?" por Urariano Mota, jornalista e escritor. Autor do livro "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do Cabo Anselmo, executada pela equipe de Fleury com o auxílio de Anselmo. Urariano é colunista do site "Direto da redação".

Documentário sobre Paulo Francis chega às telas


Paulo Francis, com um pouco de compreensão


"Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão."

(Brecht , "Aos que virão depois de nós")


Por Celso Lungaretti


Está em fase de prelançamento um novo documentário de Nelson Hoineff, autor da cinebiografia do Chacrinha, desta vez focalizando o mais influente jornalista brasileiro do final do século passado: o analista político e crítico de cultura Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, mais conhecido como Paulo Francis, que morreu no dia 4 de fevereiro de 1997, de enfarte, aos 66 anos de idade.


Os mais jovens, que não conheceram o Francis do Pasquim e da vibrante participação inicial na Folha de S. Paulo (quando esta ainda tinha como diretor de redação o inesquecível Cláudio Abramo, defenestrado pelos militares em 1977), guardam dele a imagem negativa, antipática, de sua última fase.


Eu não considero Francis um típico esquerdista que endireitou ao se tornar sexagenário, conforme a frase c lebre do presidente Lula.


Prefiro vê-lo como quem caiu numa armadilha da História, pois suas convicções arraigadas e um cenário enganador o induziram a um terrível erro de avaliação. E não sobreviveu tempo suficiente para cair na real e, talvez, corrigir seu rumo.


Para um melhor entendimento do que estou falando, vou evocar sua trajetória toda.


Ele estudou em colégios de jesuítas e beneditinos, cursando depois, por uns tempos, a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Trocou-a por uma pós-graduação em Literatura Dramática na Universidade de Columbia (Nova York), que também não concluiu.


Chegou a ser ator e diretor teatral, mas acabou no nicho tradicional dos que são melhores para escrever sobre suas paixões artísticas do que para personificá-las: a crítica, a partir de 1959, no Diário Carioca.


Paralelamente, colaborava com a revista Senhor (que mais tar de viria a editar) e escrevia sobre política no jornal Última Hora, de Samuel Wainer.


Relatou, mais tarde, um episódio pitoresco do seu noviciado. Entregou uma crítica teatral toda pomposa, repleta de termos pernósticos, ao seu editor. Ao recebê-la de volta, viu um grosso traço vermelho circundando a expressão “via de regra”. E o comentário: “Via de regra é a vagina”.


[Para os jovens que desconhecem o linguajar de outrora, esclareço que “regras” era um eufemismo para menstruação. E, claro, a palavra usada para designar o órgão genital feminino foi a chula, não esta...]


Francis disse que essa foi a primeira e única lição aproveitável de jornalismo que recebeu: escrever com simplicidade e clareza, em vez de pavonear-se com exibições desnecessárias de erudição.


Também comentou que tudo que há para se aprender de jornalismo, aprende-se em 15 dias numa redação. Daí sua avaliaç ão de que o fundamental para o exercício dessa profissão é uma formação cultural sólida, humanística e universalizante.


Ou seja, jornalismo tem tudo a ver com história, sociologia, psicologia, antropologia, filosofia, política, economia, literatura. Isto, sim, é que deveria ser priorizado na formação de um jornalista, segundo Francis.


[E assim o lecionavam, p. ex., na Escola de Comunicações e Artes da USP quando a cursei, entre as décadas de 1970 e 1980. Os dois primeiros anos eram voltados para a formação geral e só os dois últimos para a formação específica - a proporção de 3 x 1 seria mais apropriada ainda. Depois, tragicamente, sobreveio a capitulação diante do capitalismo pós-industrial, que execra o pensamento crítico e reduz o ensino à mera capacitação profissional.]


NA TRINCHEIRA DAS PALAVRAS
Embora não deixasse de registrar os erros e limitações das esquerdas brasileiras, por ele tidas como muito distantes da grandeza histórica e intelectual do seu ídolo de então – Trotsky, o teórico da revolução permanente e mártir da oposição de esquerda ao stalinismo –, Francis considerava que a prioridade era combater as forças de direita.


Foi o que fez no conturbado período da renúncia de Jânio Quadros, da tentativa de golpe para impedir a posse do vice-presidente eleito e do ziguezagueante governo de João Goulart.


Não desistiu depois do golpe militar. No Correio da Manhã, na Tribuna da Imprensa e na revista Realidade, continuou manifestando seu inconformismo com o país da ordem unida.


O lançamento do semanário O Pasquim, em junho de 1969, lhe deu projeção nacional. A Senhor e a Realidade já o haviam tornado conhecido em outros estados, mas num circulo restrito de intelectuais e pessoas sofisticadas. O Pasquim sensibilizou o público jovem, atingindo tiragens mirabolantes para um veículo alternativo.


E o Francis era o guru da turma em todos os assuntos referentes à política nacional e internacional, bem como à visão de esquerda da cultura. Com seus conhecimentos vastíssimos, dominava qualquer discussão.


Leitor assíduo de um sem-número de publicações estrangeiras, tinha sempre algo novo a dizer sobre a Guerra do Vietnã, um dos grandes temas da época.


Furando toda a grande imprensa, Francis, n'O Pasquim, foi o primeiro a informar os leitores brasileiros sobre o massacre de My Lai, que fez crescer em muito o repúdio mundial à intervenção estadunidense.


Disponibilizava as informações que a mídi a, por ideologia, covardia ou incompetência, sonegava do seu público.


Era também um crítico implacável da postura israelense de impor sua vontade pela força no Oriente Médio, o que lhe acarretava acusações rasteiras de que isso se deveria à sua ascendência alemã.


E, sendo um dos opositores mais contundentes do reacionarismo dos EUA, também não poupava a URSS, que colocava praticamente no mesmo plano, como grande potência que priorizava sempre seus interesses (e não os da revolução). Isso só fazia aumentar o seu prestígio aos olhos de uma geração que se decepcionara terrivelmente com o esmagamento da Primavera de Praga.


Cansado de ser preso pela ditadura, mudou em 1971 para Nova York, de onde mandava seus textos para o próprio Pasquim, a Tribuna da Imprensa, a revista Status e a Folha de S. Paulo (à qual chegou pelas mãos do diretor de redação Cláud io Abramo, também de formação trotskista).


Continuava, basicamente, um homem de esquerda, mas travava polêmicas azedas com quem ele considerava “esquerdistas de salão”, como a feminista Irede Cardoso. [Ela sofreu um dos maiores massacres intelectuais a que já assisti.]


SOB OS HOLOFOTES GLOBAIS


Paulo Francis, como muitos outros intelectuais de sua geração, foi perdendo o pique à medida que a ditadura ia deixando de exibir suas garras. Seu talento sobreviveu à ditadura, mas definhou na praia da redemocratização.


A partir de seu posto de observação privilegiado, captou bem a tendência desestatizante do final do século passado.


E foi quando toda sua história de opositor ferrenho da estatização compulsória e autoritária que caracterizaram o stalinismo fê-lo cometer um desatino: ajudou entusiasticamente a impulsionar a desestatização de Thatcher e Reagan, com seus escritos em O Estado de S. Paulo e suas participações no jornalismo da Rede Globo, bem como no programa de TV a cabo Manhattan Connection.


Se estava certo quanto à falta de pujança da economia soviética e o parasitismo das estatais brasileiras, não percebeu que o mu ndo engendrado pela globalização viria a ser uma versão mais desumanizada ainda do capitalismo selvagem.


O oásis que vislumbrou era ilusório. Todos aqueles avanços científicos e tecnológicos que estavam ocorrendo simultaneamente (informática, biotecnologia, engenharia genética, novos materiais e processos) pareciam mesmo augurar um futuro melhor para a humanidade... mas desembocaram, isto sim, numa forma mais avançada de dominação, como Marcuse previra. A ciência e a tecnologia ajudando a perpetuar a desigualdade social, as injustiças mais aberrantes e o embotamento do senso crítico.


Só que não era tão fácil adivinhar-se tal evolução naquele instante de enorme otimismo e euforia, assim como poucos apostariam que o milagre brasileiro de Delfim e Médici tivesse fôlego tão curto.


A intuição de Francis o traiu quando mais precisava dela, para evitar a nódoa final numa biografia impecável.


Acabou como um daqueles medalhões midiáticos que antes ridicularizava, aclamado mais por ter se tornado celebridade do sistema do que pela real qualidade do seu trabalho – como suas incursões pela literatura, em que a racionalidade e a mordacidade excessivas deixam tudo com um jeitão artificial, de tramas concebidas mecanicamente para demonstrar teses, ridicularizando comportamentos e desafetos.


Morreu na hora certa, antes que o admirável mundo novo erguido sobre os escombros do muro de Berlim mostrasse suas feições mais monstruosas, sepultando, en passant, as análises e avaliações que Francis fazia em seus últimos escritos -- os quais acabaram se revelando, mesmo, agônicos...


Ou, pelo contrário, talvez tenha perdido a chance de constatar que o fim do socialismo real não significava o fim da História, com o status quo se tornando tão insuportável que os homens es tão sendo obrigados a buscar uma nova utopia.


Quem sabe até, em mais uma reviravolta surpreendente, não teria sido ele um dos arautos dessa nova utopia?


O certo é que, independentemente de, em seus estertores, haver-se extraviado num labirinto do destino, foi um intelectual articulado e consistente como dificilmente se vê nestes tristes trópicos, deixando o legado de uma atuação memorável nas décadas de 1960 e 1970.


Talvez o melhor epitáfio para Paulo Francis seja outra de suas frases célebres: "Não há quem não cometa erros e grandes homens cometem grandes erros".


Colaboração enviada para o "Quem tem medo do Lula?" por Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político. Celso mantém o blog "Náufrago da Utopia" e é autor de livro homônimo sobre sua experiência durante a ditadura militar.

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