O sentimento que no peito imagina o Brasil de 31.10.2010, como se o tempo se iniciasse agora, é de uma alegria que vem depois de uma tormenta.
Por Urariano Mota (*)

O sentimento que no peito imagina o Brasil de 31.10.2010, como se o tempo se iniciasse agora, é de uma alegria que vem depois de uma tormenta. Caímos, levantamos, caímos, caímos, levantamos, e quando não nos levantamos de todo, não aceitamos as imposições da derrota. Ah, parecemo-nos dizer, desgraças?, que venham, só temos uma opção, queremos a felicidade, e se ela não vier, ah, damo-nos de ombros, porque estamos e estaremos trabalhando para que ela um dia venha. E se a danação e a maldição e todas as desgraças em ão se unirem, ah, sorriremos, como a dizer, gente, foi bom, apesar de tudo, o caminhar até aqui. E seguiremos, na pior hipótese.
O ato de escrever agora sofre um preciso conflito e a perseguição obsessiva de um pensamento. O conflito é ter o objetivo de comentar um debate que acabará daqui a horas, ao mesmo tempo em que temos a certeza de saber que depois dele, esse largo tempo depois que alcança a leitura e os dias que virão, o debate já não mais interessará. O debate foi, terá sido, e seu efeito sobre o que vemos será nenhum, nas futuras horas.
O debate foi, terá sido. Passaremos por ele como passamos impacientes por uma procissão de automóveis, como passamos as horas antes de receber o esperado salário do fim do mês, ou como atravessamos as horas antes da correspondência com a notícia há muito esperada. Para quê falar de debate agora, diremo-nos, se ele é a própria expressão das horas mortas?
O pensamento obsessivo a nos perseguir como um pentecostes, como Deus no caminho de Paulo a bradar contra Si uma blasfêmia, é uma interrogação que tem a forma de uma chama incessante: de que nos serve a liberdade se não transgredimos? Existe liberdade quando não vamos além do permitido, do recomendado, do que é sugerido pela tradição? Por isso é válido e inserido no contexto imaginar Dilma depois do próximo domingo.
Com exceção dos profetas, com certeza ninguém escreve sobre o que virá. Sempre escrevemos sobre o que foi, veio ou lembramos. Daí que o tempo entre o que vemos e o que transmitimos não se dá na mesma ordem, a não ser na escrita automática dos delírios do inconsciente. Daí que ao acabar a frase “ninguém escreve sobre o que virá”, recebemos de imediato o golpe de um estudante de Letras, a nos perseguir com “o que me dizes sobre a ficção científica?”. Ora, lhe respondemos: uma boa forma de prever é refletir sobre o visto. A tendência de futuro está presente agora mesmo, a nosso lado, e muitas vezes os olhos míopes não veem. A ordem do tempo, para quem escreve, sempre é invertida. Porque partimos sempre da experiência, e somos lidos como se partíssemos do fruto presente. Daí o conflito, daí a perseguição do pensamento que nos perfura com a sua subversão.
Esse futuro virá como uma lembrança do último debate em 2006, quando o cowboy William Bonner anunciou, como anunciará:
“Estamos na Central Globo de Produções, no Rio de Janeiro, para o último debate entre os candidatos à Presidência da República....”
E o cowboy Bonner, que Deus o tenha, porque é um bom rapaz e acredita na sua farsa, depois perguntará, dirá coisas que a sua produção e Kamel pensam ser acreditáveis, pois este será o seu espetáculo, talvez, quem saiba, o último, de Bonner, de Kamel, ou de ambos. As imagens ficarão indecisas se fazem planos e tomadas que privilegiem os olhos esbugalhados, atônitos, de humorista involuntário de Serra, ou se tomarão segura distância, porque, quem sabe, à distância ele parece um tiozinho sério. Então será provável que a câmera gradue a distância, porque olhos arregalados em close são puro pavor, Hitccock sem trilha musical. Enquanto em Dilma, assim como aconteceu com Lula, o zoom deixará de ser um recurso, e, até compreendemos, será apequenada, para que o espaço da sua fala venha a se dividir com a imagem do adversário Serra, que a rondará. Que papelão, que cenário para a democracia de cenário!
O certo é que depois desse último debate, a maioria do povo terá escolhido um número bem direitinho, pobre e analfabeto que é, a saber: o algarismo 3 depois do algarismo 1, que, assim colados, nessa ordem, o 1 primeiro, o 3 depois, farão, assim como em 2006, um número 13. Para maior vitória desse domingo futuro, que passou.
*Urariano Mota é jornalista, professor de português e escritor. Autor do livro “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do Cabo Anselmo, executada pela equipe de Fleury com o auxílio de Anselmo. Urariano é pernambucano, nascido em Água Fria e residente em Recife. É colunista do site “Direto da redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”
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