“As sugestões da Contag são ambiciosas e cutucam com vara curta os parlamentares da bancada ruralista que defendem interesses de grandes proprietários de terra”
Por Renata Camargo (*), no Congresso em FocoEm meio ao rame-rame do debate sobre mudanças no Código Florestal, uma questão central escapa, muitas vezes, dos olhares mais atentos. A diferenciação entre agricultura familiar e agricultura patronal - uma antiga briga, que divide opiniões - deve ser colocada como um dos eixos centrais da discussão. Não se trata de defender essa diferenciação, mas de analisar o que esse discurso acarreta.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) entregou ontem (30) ao deputado Aldo Rebelo (PCdB-SP) – relator do projeto que modifica o Código Florestal brasileiro, que tramita na Câmara – um documento com sugestões de alterações ao relatório do parlamentar paulista. O ponto principal dessa mudança é incluir na legislação ambiental o conceito de “agricultura familiar”.
O pequeno produtor nem sempre é um agricultor familiar. Segundo a Lei 11.326, de 2006 (conhecida como Lei da Agricultura Familiar), agricultor familiar é aquele que tem imóvel rural de até quatro módulos fiscais (o que caracteriza o pequeno produtor) e que utiliza predominantemente a mão-de-obra de sua família. Para ser agricultor familiar (ou silvicultor, aquicultor, extrativista ou pescador familiar), é preciso também ter como renda familiar atividades predominantemente originadas de atividades econômicas realizadas na própria terra.
As sugestões da Contag são ambiciosas e cutucam com vara curta os parlamentares da bancada ruralista que defendem interesses de grandes proprietários de terra. Em linhas gerais, eles pedem que “benesses” como a anistia a multas por crimes de desmatamento, o cômputo de área de preservação permanente (APP) nos percentuais de reserva legal e a permissão para consolidar o plantio em áreas de várzeas (hoje proibido por lei, mas praticado ilegalmente) sejam concedidos exclusivamente a agricultores familiares.
Veja aqui a proposta da Contag ao relatório de Aldo Rebelo
O argumento principal para tratar como duas agriculturas, a familiar e a patronal, é que o agricultor familiar tem uma relação diferenciada com a terra se comparado com os produtores rurais que vivem na cidade e exploram economicamente a propriedade. A Contag argumenta que os agricultores familiares dependem da terra, veem nela uma fonte de sobrevivência e vivem em condições economicamente menos favorecidas.
Esses argumentos esbarram em contra-argumentos feitos por aqueles que acreditam que a agricultura deve ser tratada como uma só. Esses afirmam que a base da atividade agrícola é a mesma para as duas categorias e que, na verdade, uma complementa a outra. Afirmam também que a diferenciação coloca como se existissem “os agricultores do bem” e “os agricultores do mau” e que isso é maléfico para o setor.
Certamente essa interpretação não contribui para o desenvolvimento do setor nem do país e, portanto, deve ser refutada. Não se trata de “agricultura do bem” e “agricultura do mal”, mas de maneiras diferenciadas de acesso a uma mesma atividade e relações distintas com a terra. No debate do Código Florestal, é preciso atenção a essa diferença, para evitar que a raposa fale em nome das galinhas – ou seja, grandes falem sem legitimidade em nome de pequenos.
Um golpe de raposa (ou de raposas), por exemplo, foi a questão de isentar de reserva legal as propriedades com até quatro módulos fiscais. A proposta da agricultura familiar desde o início foi de isenção de reserva legal para até um módulo fiscal, o que representa uma diferença significativa em termos de área. Então por que, em nome dos pequenos, defendeu-se a ideia de dispensar preservação em áreas superiores a um módulo? Por interesses e conveniências.
Diferenciar as agriculturas não é fazer assistencialismo com os menos favorecidos, mas dar tratamento diferenciado aos diferentes. Essa diferenciação, entretanto, deve ser feita com base em critérios técnicos e bem justificados. Não vale colocar em voga simplesmente a “defesa dos fracos e oprimidos”, pois, afinal, essa diferenciação é, entre outras coisas, uma estratégia econômica dos pequenos sobre os grandes.
Na próxima segunda-feira (5), o relator do Código Florestal irá apresentar uma nova versão de seu relatório. Sem muito entusiasmo, o deputado Aldo Rebelo sinalizou que irá “ver se é possível” incluir o conceito de agricultura familiar na legislação ambiental. O parlamentar afirma que o conceito cabe “numa legislação tributária”, mas que é preciso analisar se ele pode constar no Código Florestal.
Leia ainda:
“Não venha falar por nós, Kátia Abreu”
*Renata Camargo é formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) entregou ontem (30) ao deputado Aldo Rebelo (PCdB-SP) – relator do projeto que modifica o Código Florestal brasileiro, que tramita na Câmara – um documento com sugestões de alterações ao relatório do parlamentar paulista. O ponto principal dessa mudança é incluir na legislação ambiental o conceito de “agricultura familiar”.
O pequeno produtor nem sempre é um agricultor familiar. Segundo a Lei 11.326, de 2006 (conhecida como Lei da Agricultura Familiar), agricultor familiar é aquele que tem imóvel rural de até quatro módulos fiscais (o que caracteriza o pequeno produtor) e que utiliza predominantemente a mão-de-obra de sua família. Para ser agricultor familiar (ou silvicultor, aquicultor, extrativista ou pescador familiar), é preciso também ter como renda familiar atividades predominantemente originadas de atividades econômicas realizadas na própria terra.
As sugestões da Contag são ambiciosas e cutucam com vara curta os parlamentares da bancada ruralista que defendem interesses de grandes proprietários de terra. Em linhas gerais, eles pedem que “benesses” como a anistia a multas por crimes de desmatamento, o cômputo de área de preservação permanente (APP) nos percentuais de reserva legal e a permissão para consolidar o plantio em áreas de várzeas (hoje proibido por lei, mas praticado ilegalmente) sejam concedidos exclusivamente a agricultores familiares.
Veja aqui a proposta da Contag ao relatório de Aldo Rebelo
O argumento principal para tratar como duas agriculturas, a familiar e a patronal, é que o agricultor familiar tem uma relação diferenciada com a terra se comparado com os produtores rurais que vivem na cidade e exploram economicamente a propriedade. A Contag argumenta que os agricultores familiares dependem da terra, veem nela uma fonte de sobrevivência e vivem em condições economicamente menos favorecidas.
Esses argumentos esbarram em contra-argumentos feitos por aqueles que acreditam que a agricultura deve ser tratada como uma só. Esses afirmam que a base da atividade agrícola é a mesma para as duas categorias e que, na verdade, uma complementa a outra. Afirmam também que a diferenciação coloca como se existissem “os agricultores do bem” e “os agricultores do mau” e que isso é maléfico para o setor.
Certamente essa interpretação não contribui para o desenvolvimento do setor nem do país e, portanto, deve ser refutada. Não se trata de “agricultura do bem” e “agricultura do mal”, mas de maneiras diferenciadas de acesso a uma mesma atividade e relações distintas com a terra. No debate do Código Florestal, é preciso atenção a essa diferença, para evitar que a raposa fale em nome das galinhas – ou seja, grandes falem sem legitimidade em nome de pequenos.
Um golpe de raposa (ou de raposas), por exemplo, foi a questão de isentar de reserva legal as propriedades com até quatro módulos fiscais. A proposta da agricultura familiar desde o início foi de isenção de reserva legal para até um módulo fiscal, o que representa uma diferença significativa em termos de área. Então por que, em nome dos pequenos, defendeu-se a ideia de dispensar preservação em áreas superiores a um módulo? Por interesses e conveniências.
Diferenciar as agriculturas não é fazer assistencialismo com os menos favorecidos, mas dar tratamento diferenciado aos diferentes. Essa diferenciação, entretanto, deve ser feita com base em critérios técnicos e bem justificados. Não vale colocar em voga simplesmente a “defesa dos fracos e oprimidos”, pois, afinal, essa diferenciação é, entre outras coisas, uma estratégia econômica dos pequenos sobre os grandes.
Na próxima segunda-feira (5), o relator do Código Florestal irá apresentar uma nova versão de seu relatório. Sem muito entusiasmo, o deputado Aldo Rebelo sinalizou que irá “ver se é possível” incluir o conceito de agricultura familiar na legislação ambiental. O parlamentar afirma que o conceito cabe “numa legislação tributária”, mas que é preciso analisar se ele pode constar no Código Florestal.
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*Renata Camargo é formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.
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