Anvisa:”Butantan nunca requereu avaliação da fábrica de vacina contra gripe”
Por Conceição Lemes, no "Vi o Mundo"
Desde 1999, o Instituto Butantan, órgão da Secretaria de Saúde do Governo do Estado de São Paulo, alardeia que vai iniciar a produção da vacina contra influenza, ou gripe, num futuro próximo.
Na Folha de S. Paulo, em 19 de outubro de 1999, o professor Isaías Raw, à época presidente da Fundação Butantan, promete para 2000:
O Butantan …no próximo ano [2000] inicia a produção da vacina contra influenza, um tipo de gripe (que, apesar de não eliminar a doença, evita internações custosas e a morte de idosos). Só essa iniciativa reduzirá o custo da vacina dos idosos à metade.
Em 14 de maio de 2003, o Diário Oficial do Estado de São Paulo informa que a fábrica “começará a operar em 2005.”
Em março de 2005, a Butantan em Revista, publicação do próprio instituto, diz que “até 2008 deverá atender totalmente as necessidades brasileiras de vacinas contra a gripe”.
Em 6 de janeiro de 2006 , na Folha Online, acena com vacina contra a gripe aviária para o semestre de 2006.
Em 26 de abril de 2007, com claque e convidados especiais, entre eles o então governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o Instituto Butantan inaugura a fábrica de vacinas contra gripe. O evento é notícia em toda a mídia.
Na ocasião, o portal do Governo do Estado São Paulo e o site da Secretaria Estadual de Saúde trombeteiam: SP ganha primeira fábrica de vacina contra gripe do hemisfério sul.
Embora o Ministério da Saúde tenha pago metade dos R$ 70 milhões investidos na fábrica, curiosamente o ministro Temporão “sumiu” da nota oficial (parte dela está abaixo). Os bônus foram para Serra e o seu secretário da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata.
Textualmente a nota oficial do governo de São Paulo diz:
1. O investimento do governo do Estado na nova fábrica foi de R$ 34 milhões para as obras. O Ministério da Saúde investiu outros R$ 34 milhões para a aquisição de equipamentos de última geração.
Parêntese do Viomundo: O custo divulgado inicialmente foi de R$ 68 milhões. Porém, Serra, em discurso feito na inauguração, dá outro valor: O investimento foi perto de R$ 70 milhões, metade o governo de São Paulo, metade o governo federal. É o que passou a ser divulgado.
2. A fábrica contra gripe (comum) terá capacidade de produzir até 40 milhões de doses de vacina por ano. A partir de 2008, o Instituto Butantan suprirá completamente a demanda nacional, o que vai gerar economia de R$ 100 milhões aos cofres públicos.
3. Atualmente [abril de 2007], as 20 milhões de doses utilizadas na imunização gratuita de maiores de 60 anos e outros grupos de risco são produzidas (monovalentes) na França pela empresa [farmacêutica Sanofi Pasteur, que produz na Europa o imunizante contra a gripe], importadas pelo Ministério da Saúde e envasadas pelo governo paulista.
BUTANTAN CULPA ANVISA PELO ATRASO
Apesar desses e outros anúncios, até hoje o Instituto Butantan não produziu uma única dose de vacina contra gripe.
Essa realidade tornou-se pública há dez dias, mais precisamente em 26 de maio. Os deputados estaduais do PT Antonio Mentor (líder do partido na Assembleia Legislativa paulista) e Fausto Figueira (presidente da Comissão de Saúde e Higiene) foram, em diligência, ao Butantan apurar a denúncia de que a fábrica de vacinas contra gripe não estaria funcionando.
Otávio Mercadante, diretor-técnico do Butantan, confirmou-lhes. Mercadante foi chefe de gabinete de José Serra no Ministério da Saúde, de 1998 a 2002.
Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo em 28 de maio aponta estes culpados pelo atraso de três anos nas operações:
…A fábrica está parada porque o Butantan ainda não obteve as certificações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da Sanofi Pasteur, multinacional que detém a tecnologia de produção da droga.
A Folha acrescenta:
Para o diretor do Butantan, Otávio Mercadante, a demora está dentro do prazo previsto. A vacina usada no Brasil é importada. Em 1999, o governo brasileiro firmou um acordo com a Sanofi. O laboratório forneceria a vacina ao país com exclusividade por alguns anos e, em troca, transferiria a tecnologia de produção ao Butantan.
Na quarta-feira, 1º de junho, esta repórter contatou a assessoria de imprensa do Butantan para saber se o diretor Otávio Mercadante confirmava a informação publicada pela Folha de que os atrasos se deviam à falta de certificações da Anvisa e da Sanofi Pasteur. Telefonou várias vezes em horários diferentes. A telefonista deixava tocar até a ligação cair. Ninguém atendeu. Mandou, então, e-mail. Não obteve resposta.
“ Otávio Mercadante também nos afirmou que havia pendências de certificação com a Anvisa; não falou sobre a Sanofi Pasteur”, diz ao Viomundo Antonio Mentor, que questionou a Anvisa. Fausto Figueira adiciona: “O Mercadante prometeu discutir o caso com o secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, e dar uma resposta rápida sobre os motivos da fábrica parada”.
R$300 MILHÕES PERDIDOS EM TRÊS ANOS
Estranho. Como é possível o diretor-técnico do Butantan dizer que vai consultar o secretário da Saúde para saber os motivos de a fábrica de vacinas parada se é ele quem dirige o instituto desde 2003?
Além disso, a Anvisa desmente a informação de que a nova fábrica do Butantan ainda não produz contra gripe por falta de certificação da agência. O seu diretor, Dirceu Barbano, em e-mail a Mentor diz:
A informação do Butantan de que sua nova unidade de fabricação de vacinas ainda não produz vacinas por falta de autorização da Anvisa não é verdadeira.
O Butantã nunca requereu processo de avaliação para a nova fábrica [a de vacinas contra gripe] para a Certificação das Boas Práticas de Fabricação – CBPF.
Essa certificação se dá por meio de inspeções que serão realizadas apenas mediante solicitação do laboratório Butantan, o que até o momento não ocorreu.
O Viomundo conversou com o diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Raposo de Mello.
“A informação de que a fábrica não está em operação por falta de certificação da Anvisa é incorreta”, frisa Raposo. “Essas certificações em plantas são feitas pela Vigilância Sanitária do Estado em conjunto com a Anvisa. É a Vigilância Estadual que nos provoca. Hoje à tarde [quarta-feira, 1 de junho] conversei com a inspetora da Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Ela me informou que até agora não recebeu qualquer pedido do Butantan para certificação da nova fábrica.”
Tentamos ouvir a Sanofi Pasteur Brasil nessa sexta-feira, não obtivemos retorno. A informação divulgada pela Folha é de que a farmacêutica concederá a certificação ao Butantan no segundo semestre deste ano. Quanto à transferência de tecnologia, iniciada em 1999, se concluiu em abril de 2007, quando a nova fábrica foi inaugurada, segundo a Agência Fapesp.
Agora, a promessa é de que fábrica entrará em operação ainda em 2010. Foi o que informou Otávio Mercadante a Mentor e Figueira em 26 de maio.
Considerando que a fábrica de vacinas contra gripe deveria estar funcionando desde 2008, a sua inoperância já fez com que o governo federal deixasse de economizar R$ 300 milhões nesses três últimos anos. Afinal, é o Ministério da Saúde que compra e distribui o imunizante, que é aplicado gratuitamente na rede pública de todos os estados. Dinheiro que poderia ser aplicado em outras áreas da saúde em vez de ser destinado à Sanofi Pasteur para a compra de vacina pronta.
Diante de tudo isso, estas perguntas são inevitáveis:
1) Por que o Butantan inaugurou a fábrica em 2007 sem que ela estivesse realmente pronta para operar?
2) Alguém lucrou com o atraso em mais de três anos do início da produção de vacinas?
3) Alguém perdeu?
4) Por que o Butantan não revelou à sociedade o que estava acontecendo?
5) Po que apesar dessa situação, propagandeou em 2009 que iria produzir a vacina da gripe suína, embora não estivesse dando conta nem da vacina contra gripe comum?
6) A não revelação da situação real seria devido a receio de que o caso pudesse respingar no então governador José Serra, já que o Butantan é órgão do governo do Estado de São Paulo?
A sociedade tem o direito de saber a verdade, as respostas disso tudo. Afinal, estamos falando de saúde e recursos públicos.
Um comentário:
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