Cabe à presidente eleita avaliar se vale a pena apostar no atual ministro da Defesa. Por seu desempenho nos últimos anos e pelas confidências reveladas pelo site, Jobim está empenhado em uma aventura que lhe permita tomar o passado de assalto, obrigando o país a viver uma vida que não é a sua, como se fosse a única possível. Seria Jango o seu alvo?
Por Gilson Caroni Filho (*)
O professor Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra, escreveu, há 11 anos, que: “uma parte do que de importante ocorre no mundo é em segredo e em silêncio, fora do alcance dos cidadãos. E o dilema para a democracia daqui resultante é que os segredos só podem ser conhecidos a posteriori, depois de deixarem de ser, depois de produzirem fatos consumados que escaparam ao controle democrático". Referia-se ele, na época, ao Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que vinha sendo negociado na surdina, entre os países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por iniciativa dos Estados Unidos e da União Européia, com cinco países observadores, entre eles o Brasil de FHC. Tratava-se de uma carta magna das corporações transnacionais que não deixava aos países da periferia qualquer margem de soberania.
Graças ao vazamento do site Wikileaks, organização que confirma o surgimento de uma nova esfera informativa mundial, os fatos e manobras que permaneciam ocultos, na lúcida observação de Boaventura, se tornaram de conhecimento público, expondo, no caso brasileiro, o tamanho da queda que nos querem impor, ou a que estamos sujeitos.
Os telegramas de Clifford Sobel, ex-embaixador dos EUA no Brasil, dando conta dos serviços prestados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, a um país estrangeiro são emblemáticos. A presença de Jobim no futuro governo pode ter se tornado inviável. Mais do que nunca é importante lembrar a existência de uma relação íntima entre a intensidade da ameaça e a firmeza da resposta. Não há justificativa plausível, nem mesmo na lógica de uma estreita Realpolitik, para a continuação de Jobim à frente da pasta da Defesa. Um pequeno histórico se faz necessário quando mentalidades mórbidas voltam a atacar a soberania nacional, como se fosse praga e empecilho a ser removido.
Ao se abrirem os anos 1960, a diplomacia brasileira, refletindo tanto as novas realidades internacionais quanto a correlação interna das forças sociopolíticas, desenvolveu os seus primeiros esforços no sentido de divorciar-se do caduco alinhamento incondicional ao imperialismo, herança dos tempos da Guerra Fria. Foram dados, então, os passos do que, à época, ficou conhecido como "política externa independente"
O golpe de 1964 interrompeu esse processo. O regime emergente de 1º de abril, medularmente comprometido com o imperialismo estadunidense, acoplou à repressão no interior ("segurança nacional") o reacionarismo na política externa (fronteiras ideológicas). O posicionamento internacional daí resultante só poderia ter sido aquilo que que sabemos: a subserviência mais lamentável aos desígnios do Império - de que permanece, como triste exemplo, a nossa intervenção na República Dominicana, no bojo da sinistra "Força Interamericana de Paz".
Pouco a pouco, todavia, este posicionamento - lesivo à verdadeira soberania nacional, aviltante para uma república soberana - foi sendo ultrapassado pela realidade da vida. Entre as complicações de um mundo cada vez menos definível segundo o maniqueísmo dos “blocos" e as contradições do desenvolvimento das forças produtivas no país, a concepção das " fronteiras ideológicas" passou, de fato, à categoria de figura de retórica. Especialmente a partir dos primeiros anos da década de 70, os governos militares foram compelidos a descolar-se do jogo internacional do imperialismo.
E sempre que o fizeram, conflitando com sua política interna e com seu próprio discurso global, marcaram posições progressistas que lhes valeram significativos créditos entre a comunidade das nações. Basta pensar na postura brasileira em face da luta de libertação dos povos africanos, diante da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e em relação às Malvinas.
A importância deste descolamento, conduzido consequentemente após a redemocratização, configurou o perfil que as forças democráticas reclamam para o Brasil: o de um país independente, com uma posição internacional e soberana e autônoma. Este cenário, evidentemente, é função da situação nacional. Somente um regime democrático, como o que temos hoje, assentado na mais ampla participação popular, pode aprofundar as tendências progressistas de nossa política externa. Vale dizer: a luta pela reorganização democrática da sociedade continua sendo conjugada à luta para sistematizar uma inserção internacional que corresponda aos interesses da maioria do nosso povo.
No limiar do futuro, a sociedade brasileira aparenta ser prisioneira do seu passado que, por ainda não ter sido dominado, ameaça se voltar contra ela. Pois é na hora do vôo livre para uma área ainda por construir, porém promissora, que a vontade não pode se distrair na desconfiança de que, mais uma vez, reiteramos antigos erros.
Quando disse ao diplomata americano que o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, “odeia os Estados Unidos e trabalha para criar problemas na relação entre Brasília e Washington", Nelson Jobim se afigurou como triste personagem de uma geopolítica de vice-reinado.
Por aí, estaríamos condenados a viver em um território estranho à dialética, oscilando mecanicamente entre velhas sístoles e diástoles, vítimas de uma conspiração da nossa própria história. Cabe à presidente eleita avaliar se vale a pena apostar no atual ministro da Defesa. Por seu desempenho nos últimos anos e pelas confidências reveladas pelo site, Jobim está empenhado em uma aventura que lhe permita tomar o passado de assalto, obrigando o país a viver uma vida que não é a sua, como se fosse a única possível. Seria Jango o seu alvo?
*Gilson Caroni Filho é sociólogo e mestre em ciências políticas. Mora no Rio de Janeiro, onde é professor titular de sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha). É colunista da Carta Maior e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?".
3 comentários:
E não é só isso Gilson, existe toda uma dimensão muito obscura do processo eleitoral brasileiro, que é a totalização eletrônica dos votos e principalmente os softwares que operam nas urnas. A segurança do sistema eleitoral brasileiro, ao contrário do que os milhões que a propaganda do TSE gasta só pra isso afirmam, é uma piada internacional. Nem o PARAGUAI aceita nossa urna eletrônica PARA SEQUER CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS. Mas Jobim, que já andou no TSE, é o principal defensor da manutenção do sistema e chefe do lobby para pressionar o parlamento seguidamente a rejeitar mecanismos de fiscalização do sistema, como o de impressão E depósito em urna de comprovante de voto. Enquanto isso, o TSE gasta milhões com um sistema muito menos útil, de digital eletrônica. Qual é o interesse de Jobim nisso? Porque ele se move desta forma? O que ele estava fazendo no governo Lula depois do papel vergonhoso que desempenhou com FHC? O que ele faz como um dos primeiros reconfirmados? Ele não está na cota do PMDB. Está na cota de quem, do Lula? E se está, quem colocou ele na cota do Lula? Será que o PT acha que é assim que vai se proteger da fraude eleitoral? Enquanto isso deputados ricos, tenebrosos e sem voto continuam se elegendo toda eleição.
Não dou um centavo furado por este TAÍNHA que anda brincando de ministro da Defesa DO br, este cara tem que ser desmistificado, é um traidor e desse tipo vc aproveita o que servir da traição e depois consome com ele, afinal traiu uma vez, vai trair sempre! E espero que seja isso o que pensa a maior parte do povo brasileiro. ENFIM QUEM TEM UM AMIGO DESSE NÍVEL, PRECISA DE INIMIGO?
FORA SERRISTA JOBIM!
Lembrem-se que Pinochet era ministro de Allende ao dar-lhe o golpe em 1973.
Postar um comentário
Este blog não está subordinado a nenhum partido. Lula, como todo ser humano, não é infalível. Quem gosta dele (assim como de qualquer pessoa), tem o dever de elogiá-lo sem nunca deixar de criticá-lo. ---------------------------------------------------------------------------------------------------- Todas as opiniões expressas aqui, em conteúdo assinado por mim ou pelos colaboradores, são de inteira responsabilidade de cada um. ----------------------------------------------------------------
Comentários são extremamente bem-vindos, inclusive e principalmente, as críticas construtivas (devidamente assinadas): as de quem sabe que é possível e bem mais eficaz criticar sem baixo calão. ----------------------------------------------------------------------------------------------
Na parte "comentar como", se você não é registrado no google nem em outro sistema, clique na opção "Nome/URL" e digite seu nome (em URL, você pode digitar seu site, se o tiver, para que clicando em seu nome as pessoas sejam direcionadas para lá, mas não é obrigatório, você pode deixar a parte URL em branco e apenas digitar seu nome).-----------------------------------------
PROCURO NÃO CENSURAR NADA, MAS, POR FAVOR, PROCUREM NÃO DEIXAR COMENTÁRIOS ANÔNIMOS. NÃO PODEMOS NOS RESPONSABILIZAR PELO QUE É DITO NESSES COMENTÁRIOS.
Att,
Ana Helena Tavares - editora-chefe