Tão preocupado ele estava em esbanjar falso moralismo e esconder seus reais interesses que nem viu o momento em que levou um direto de esquerda. |
Analisem o que é mais aterrorizante: os políticos do PSDB e seus desvios de dinheiro que nem cabe na cueca, que têm orjeriza ao povo, ou os do PT, que alguns já foram pegos por corrupção, mas cujo governo colocou comida na mesa de milhões de brasileiros? Nesta balança, o peso da moral tucana desmorona como castelo de areia.
Por Ana Helena Tavares (*)
Não é papel do revolucionário combater a corrupção. Esta é típica do capitalismo e só acabaria com a evolução para o socialismo. No caso específico do governo Lula e de um possível governo Dilma, a questão da moralidade administrativa não importa, quando, no lugar a que se chegou, há milhões de brasileiros tirados da miséria. Este é um conceito marxista, que Betinho atualizou ao afirmar: “Miséria é imoral. Pobreza é imoral. Talvez seja o maior crime moral que uma sociedade possa cometer.”
À primeira vista, tal conceito deve soar aos olhos mais moralistas como uma baita heresia. Ora, fechar os olhos à corrupção em nome dos avanços sociais pode parecer uma exaltação ao velho “rouba, mas faz”. Só que o malufismo não fez São Paulo avançar socialmente, só em quantidade de viadutos, por isso, talvez caiba melhor “os fins justificam os meios”. Também não, porque os fins almejados pelo príncipe de Maquiavel estavam longe de ser a distribuição igualitária de renda.
Ocorre que se, no regime capitalista, é impossível haver um governo desprovido de pessoas corruptas, talvez seja esta distribuição o “jeitinho brasileiro” para driblar o sistema. Se a corrupção não vem do presidente (que não tem como saber de tudo o que se passa em seu rincão), é uma injustiça criticá-la esquecendo os avanços sociais. Analisem o que é mais aterrorizante: os políticos do PSDB e seus desvios de dinheiro que nem cabe na cueca, que têm orjeriza ao povo, ou os do PT, que alguns já foram pegos por corrupção, mas cujo governo colocou comida na mesa de milhões de brasileiros? Nesta balança, o peso da moral tucana desmorona mais rápido que castelo de areia.
Vale ainda frisar que, se neste a corrupção aparece tanto, de uma forma como não aparecia nos outros, é óbvio que é porque ela está sendo combatida abertamente, enquanto os outros preferiam jogá-la pra debaixo do tapete. Com a luxuosa ajuda dos barões da mídia, claro.
Barões estes que diariamente criticam o PT por suas alianças com dois ex-presidentes: José Sarney, que ontem era o queridinho da mídia, tido como grande imortal da ABL, e hoje não passa de “o último coronel do Senado” (coronel ele é, mas não o último); e Fernando Collor de Melo. Este, o do impechment merecido, mas orquestrado pelos interesses da mesma imprensa que o derrubou, depois o bajulou e hoje vive em pé de guerra com ele, pelo pecado inaceitável de ele ter, também por interesses, resolvido se juntar àquele mesmo apedeuta a quem difamou no passado.
Pouco se fala das alianças mantidas pelo PSDB com outros dois ex-presidentes: Itamar Franco, o do topete que nem fede nem cheira, santinho ao melhor estilo “me engana que eu gosto”; e FHC, o eterno príncipe dos sociólogos que, do alto de seu pedestal inatacável, enterrou incontáveis CPIS. Assim é fácil passar à história (aquela contada pela velha imprensa) como um governo pouco corrupto.
Reza a lenda que “não temos nem um mal nem um bom caráter, simplesmente não o temos” Só que isso não quer dizer que sejamos manipuláveis, como a grande imprensa parece pensar. Macunaíma era bem mais esperto do que os leitores da Veja. O que somos é maleáveis ao vento dos interesses (e qual ser humano não é?).
Na política, então, é inviável agir sem alianças, nem sempre sonhadas. Já que, numa democracia, ninguém governa sozinho. Portanto, para mim, o que distingue um projeto político de outro, não é aquilo que todos chamam hipocritamente de moral, bons costumes, etc e tal, sem, muitas vezes, ter nada disso em casa, mas sim aonde, de fato, se quer chegar, depois de sentado na cadeira presidencial.
O debate de ontem, na Band, foi exemplo claro disso. Serra, se lá senta, que Deus nos livre, chegará ao mesmo lugar que FHC chegou. Você quer isso pro Brasil? Tão preocupado ele estava em esbanjar falso moralismo e esconder seus reais interesses que nem viu o momento em que levou um direto de esquerda.
Ana Helena Tavares é jornalista por paixão, escritora e poeta eternamente aprendiz. Editora-chefe do blog "Quem tem medo do Lula?".
Charge: Carlos Latuff
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