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domingo, 18 de julho de 2010

Caso Battisti: Até quando vai durar a prisão? O Show Deve Parar!


Caso Battisti: O Show Deve Parar

Por Carlos Alberto Lungarzo (*)

Hoje percebi, através de uma matéria de Celso Lungaretti, que o escritor italiano Cesare Battisti está desde há 41 meses na prisão. O fato de ter um preso político num país democrático é uma grave anormalidade, muito mais ainda quando é alguém que o único “delito” que cometeu no Brasil foi o de usar um passaporte irregular, algo que quase todo refugiado faz. Não se precisa ter doutorado em Direito Internacional, para entender que se alguém está sendo procurado para cumprir pena de prisão ou, ainda pior, para ser morto, seu governo não lhe vai oferecer graciosamente um passaporte legítimo. Aliás, a Convenção de Genebra e documentos adicionais confirmam essa argumentação.

Como muito bem foi observado pelo ex ministro da justiça Tarso Genro, numa entrevista concedida ontem ao site Sul 21, o caso Battisti foi “uma questão que foi ideologizada de má fé pela grande mídia. Então é natural que as pessoas fiquem confusas sobre o assunto.”

Se realmente a posse de um passaporte irregular é um crime, eu me pergunto por que eu e outros milhares de pessoas que chegamos ao Brasil como refugiados, usando passaportes vencidos ou irregulares, nunca fomos punidos, na época da ditadura? Reconheço, sem dúvida, a cumplicidade do establishment no sequestro de vários refugiados do Cone Sul por gangues da Operação Condor, mas o governo federal (ou seja, a ditadura) não deu nenhum passo para punir formalmente os que carecíamos de documentos. (Eu estive desde 1976 até 1979 sem poder obter um passaporte válido, e só nessa época consegui um salvo-conduto dado pela ONU, apesar do qual pude trabalhar na Universidade de Campinas durante esses 3 anos).

No caso de Cesare Battisti, porém, houve um ódio desaforado, regado pela “generosidade” da máfia italiana, junto com a falta de decisão de um setor do poder público. Mesmo, assim em novembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal aprovou por 5 a 4 o direito do presidente de decidir sobre a extradição ou, falando mais propriamente, ratificou um direito que já existia e que a cúpula do Tribunal se empenhou em esquecer. Ora, desde essa data transcorreram já mais de 8 meses, e há três meses que o acórdão foi publicado no Diário Oficial da União. Por que, então, Battisti continua presso?

De vez em quando, em função de acontecimentos colaterais, o presidente do Brasil se manifesta sobre o caso, como o fez no final de junho durante a visita do premier italiano Sílvio Berlusconi. Nessa oportunidade, o chefe de estado disse que: (a) se pronunciaria apenas com base nos autos e com o parecer da AGU, como já tinha prometido em Novembro de 2009, na Bahia; e (b) sua decisão não tinha nada a ver com o processo eleitoral.

(Por sinal, segundo alguns italianos exilados na Europa que mantêm contato com deputados da Rifondazione Comunista, Berlusconi não parece especialmente interessado na extradição de Cesare.)

É compreensível que o presidente queira ter base judicial para se pronunciar, para evitar o ataque dos advogados da porta de cadeia, inquisidores resuscitados e a imprensa marrom (que é quase toda). Não podemos esperar nenhuma mínima sensibilidade humana dos que duvidam se devem aprovar ou não as pesquisas biológicas de alta relevância médica, ou impedem a uma mulher em risco de morte salvar-se através de um aborto.

A partir de outros discursos do presidente e até de declarações explícitas, se deduz que ele é consciente de que o judiciário tem um poder desconhecido num país ocidental moderno. Eles estão protegidos pela Bula do Papa Urbano IV (não muito nova; é de 1262), onde diz que “governadores e chefes de estado devem estar totalmente submetidos ao poder do Santo Ofício”.

Todavia, o poder do presidente de decidir em assuntos de extradição é garantido pela Constituição, pelas leis e pelo direito internacional em Ocidente. O que a Constituição Brasileira e a de outros países encomenda às Cortes Supremas é processar e julgar a extradição, e não executá-la. A diferença entre poder executivo e judiciário parece que não é bem entendida neste caso, apesar de ser matéria da 7ª serie do ensino básico.

O que poderia ser a única exceção nos países democráticos são os chamados juízes de imigração dos Estados Unidos, mas suas decisões não podem obrigar o Immigration Board (que é um órgão executivo) a extraditar ninguém, embora este acate, rotineiramente, os pareceres destes magistrados.

Mesmo que isto fosse uma exceção, pensemos que em mais de 40 países de Europa e das Américas, a decisão de recusar a extradição é um direito do poder executivo, embora ele não tenha direito a extraditar, se for proibido pela justiça.

Ora, admitindo que o presidente precise do parecer a Advocacia Geral da União para sentir-se mais amparado, eu me perguntaria: Por que demora tanto esse parecer? Será que encontrar um motivo para negar a extradição no Tratado Brasil-Itália toma mais de 8 meses, sendo que esse documento oferece pelo menos quatro motivos que seriam óbvios para um bom vestibulando de uma faculdade de direito.

Eu falei várias vezes deste problema com vários senadores e deputados progressistas, cujo esforço no caso de Cesare é extremamente louvável, e em cuja sinceridade tenho a fé mais absoluta. Alguns deles disseram que confiavam no presidente e que seria necessário esperar o “momento certo”, mas acredito que eles pareciam tão perplexos como eu sobre qual seria o momento certo para o Presidente Lula. Por outro lado, pessoas mais ligadas ao executivo, inclusive de máximo contato com o chefe de estado, reiteram essa preocupação do presidente por encontrar a oportunidade adequada.

Entretanto, é necessário ter em conta que o Brasil violou gravemente os convênios internacionais ao manter preso alguém que era legitimamente refugiado. Embora as manobras obscuras dos “caporegimes” do STF, anularam o refúgio de Battisti de maneira ilegítima, deve reconhecer-se que formalmente ele perdeu sua condição de asilado no dia 9 de setembro. Então, até essa data, sua prisão foi flagrantemente ilegal de acordo com todos os parâmetros, e só foi possível pela subserviência da justiça ao estado italiano.

Eu faço um apelo aos colegas do círculo de apoio de Cesare Battisti (especialmente aos que, por sua condição de representantes do povo possuem mais fé publica que os que somos simples cidadãos) que consideremos novos meios de ação. Se realmente acreditamos na democracia, não podemos nos abster apenas por medo a retaliações.


*Carlos Alberto Lungarzo é graduado em matemática e doutor em filosofia. É professor aposentado e escritor, autor do livro “Os Cenários Invisíveis do Caso Battisti”. Para fazer o download de um resumo do livro clique aqui. Ex-exilado político, residente atualmente em São Paulo, é membro da Anistia Internacional (registro: 2152711) e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.

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