Serra e seu demônio
Por Mino Carta, jornalista, na revista "Carta Capital"
Serra é 'estranho' no ninho tucano. Talvez desde sempre. Mas agora só lhe resta entrar na arena
O governador José Serra tem um demônio para complicar-lhe a vida. O demônio tucano. É o contrário do que se deu com Sancho Pança, seu demônio, segundo Kafka, se chamava Dom Quixote, de cuja companhia tirou grande diversão ao participar de extraordinárias aventuras.
Está claro que ao se desligar do PMDB do doutor Ulysses para figurar entre os pais fundadores do PSDB, vinte e poucos anos atrás, Serra não se deu conta das graves incompatibilidades destinadas a aflorar no galope do tempo. E não se tratou do trote trôpego de Rocinante.
À época do nascimento do novo partido, que ele acompanhasse os amigos Fernando Henrique e Sergio Motta pareceu absolutamente natural. Havia entre eles uma sociedade tida como indissolúvel e que foi decisiva para levar o príncipe dos sociólogos à Presidência da República. Mas já então dei para perguntar aos meus intrigados botões se José Serra figurasse a contento naquela companhia.
Que passou pela cabeça do então ministro do Planejamento – o cargo almejado em vão no governo de Tancredo Neves – quando FHC avisou: “Esqueçam o que disse”? Da pasta, Serra desincompatibilizou-se para disputar a prefeitura de São Paulo contra Celso Pitta, candidato de Paulo Maluf. Por quê? Confiou em uma vitória líquida e certa? Ou não estava satisfeito com os limites do posto que o amigão presidente lhe entregara?
Na esquina esperava-o a derrota. Acabou por regressar ao governo e ali valorizou o cargo de ministro da Saúde, graças inclusive aos encantados louvores da mídia nativa. Já enxergavam nele o futuro candidato. Nós, aqui no nosso canto, víamos nele um estranho no ninho, a partir da convicção de que jamais declararia “esqueçam o que eu disse”.
No governo, o tucanato assumiu o papel de tardio intérprete do credo udenista, tanto mais hipócrita a acobertar corrupção desenfreada, subserviência às vontades de Washington, adesão pontual ao neoliberalismo da moda, desastres econômicos variados até a bancarrota nacional de janeiro de 1999. Será que Serra regalou-se na ocasião, propiciada por um segundo mandato conquistado pela compra de votos parlamentares?
Tive com Serra diversos contatos antes e durante a campanha de 2002, um deles na cozinha da minha casa. Jantamos um risotto produzido na hora, como convém, e tomamos um tinto de honestidade à toda prova. Ele esforçou-se para me convencer de que no Planalto teria desempenho melhor do que Lula. Afirmava ter condições de ser mais ousado, muito mais, do que o adversário, do ponto de vista econômico e social. Possível, com os tucanos à sua volta?
O problema de Serra, hoje mais do que nunca, é o próprio tucanato que pretende exprimi-lo, tão bem representado pelo senador Tasso Jereissati, o qual o chama às falas para invocar imediata definição de sua candidatura. Enquanto FHC prova que ele próprio enterrou o passado.
O parceiro de Enzo Falletto na formulação da teoria da dependência, em conferência pronunciada há dias em uma das deslumbrantes Casas do Saber (saber?), descortina os impensáveis caminhos de um liberalismo de esquerda, ele mesmo que há mais de 30 anos apontava a incapacidade visceral da burguesia nativa.
Que Serra careça de alternativas está além da evidência, só lhe resta entrar na arena e aceitar o desafio plebiscitário promovido pelo presidente da República mais amado da história do País. Mais carismático, mais hábil, mais sutil. Mais atento às falhas do contendor e mais certeiro na mira. Trata-se, justamente, de parada federal, mas o governador não tem como escapar dela.
Serra, desde 2002, carrega a certeza de que CartaCapital não gosta dele, a começar por mim, a despeito do risotto servido na cozinha. Está enganado, mas isso não impede que a revista e o cozinheiro façam suas escolhas na hora do voto, nas páginas impressas e na urna. CartaCapital expõe claramente sua preferência, ao contrário de quem afirma isenção e equidistância para confirmar a aposta na parvoíce da plateia.
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Por Francisco Barreira, sociólogo, em seu blog "Fatos Novos Novas Idéias"
Poucas vezes na História um político do chamado primeiro time cometeu tantos erros num espaço tão curto de tempo, a ponto de conseguir destruir sua própria candidatura à presidência. Arrogância e teimosia que na verdade encobriam o medo de trocar uma reeleição certa para o governo paulista por uma perigosa aventura em direção ao Planalto, fizerem com que José Serra despencasse nas pesquisas. Pior: começou a ser boicotado por importantes líderes de seu PSDB e da direção do principal aliado, o DEM. Todos estes setores não escondem sua preferência pelo nome de Aécio Neves que nega ser candidato à presidência, mas não com a mesma convicção com que sempre se recusou a ser vice de Serra.
Com as prévias deste fim de semana que devem apontar já a ultrapassagem de Dilma Rousseff sobre ele, o governador paulista assiste inerte ao desmoronamento de sua candidatura e, de forma inacreditável, não altera sua tática: só anunciará formalmente que é candidato na primeira semana de abril. E não mudou, tampouco, a forma autoritária e truculenta de lidar com seus correligionários e aliados.
Na quinta-feira, um de seus aliados mais importantes, o senador Jarbas Vasconcelos, ex-governador de Pernambuco (PMDB) também estomagou-se com o Jeito Serra de fazer política e mandou pelos jornais um recado que pode ser considerado o prolegômeno de um rompimento: “Diante desse quadro dispenso meu encontro com o governador Serra. Eu pretendia ter uma conversa política com ele, mas, por enquanto, sua maior preocupação é administrativa com São Paulo. Como tomei conhecimento disso pela imprensa, também resolvi responder pela imprensa”.
Vasconcelos é o mais respeitado e popular representante do PMDB no Nordeste. Se perder seu apoio, Serra fica desfalcado de sua principal peça no tabuleiro eleitoral da região dominada pelo lulismo. O pior é que, há duas semanas, ele já perdera para Dilma o apoio de Pedro Simon do PMDB gaucho. Assim, no partido do Dr. Ulisses, Serra só conta agora com a adesão do insaciável ex-governador Orestes Quércia e uma possível composição com o combalido governador Luiz Henrique de Santa Catarina.
*As charges são uma cortesia do nosso colaborador Bira Dantas.
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