Dissecando o primarismo político
Por Celso Lungaretti
Ao expor o primarismo político que grassa na esquerda virtual, escancarado nas diatribes contra a Anistia Internacional, eu não tinha ilusões quanto ao resultado.
Os companheiros com mais informações e melhor formação já nem se dão mais ao trabalho de confrontar o sectarismo dominante.
Sua atitude segue mais ou menos a racionália de um ótimo verso do poeta Capinan: "moda de viola não dá luz a cego".
Ou seja, guardam sua luz para si, dando como irremediável a cegueira dos autoritários de esquerda.
Esses novos bárbaros engendrados pelo refluxo revolucionário das últimas décadas, por sua vez, não têm a mais remota idéia de que a proposta original de Marx era levar a humanidade a um estágio superior de civilização, no qual cada homem pudesse desenvolver plenamente suas potencialidades, liberto dos grilhões da necessidade.
Marx nos apontou como objetivo último a instauração do "reino da liberdade, para além da necessidade". Quem luta atualmente por um objetivo tão formidável e, ao mesmo tempo, tão distante?
Uns se contentam em gerir o estado burguês no lugar dos burgueses, o que lhes dá condição de melhorarem um pouco a situação material dos trabalhadores e aliviarem, também um pouco, as agruras dos excluídos. Há um século seriam qualificados de reformistas.
Outros se fanatizam com projetos autoritários e personalistas de poder que, como bem lembrou o Carlos Lungarzo, têm mais afinidade com o fascismo original de Benito Mussolini do que com as políticas de esquerda.
Estes últimos, no afã de justificarem rudes transgressões dos direitos humanos, não hesitam em promover campanhas virtuais de descrédito da Anistia Internacional, da Human Rights Watch, da ONU e quem mais ainda preze os valores civilizados. Em sua marcha regressiva, implicitamente cancelam até a Grande Revolução Francesa.
É claro que, chegando aos 60 anos, não tenho prazer nenhum em ser alvo da sua irracionalidade em estado bruto.
Houve até quem colocasse em discussão se eu estaria sendo financiado pela CIA, o poder oculto atrás da AI, segundo a interpretação conspiratória da História... Ao atribuir motivos tão pequenos aos outros, esse cidadão projeta uma imagem horrorosa de si próprio.
Mas, alguém tem de empunhar a bandeira da esquerda libertária, mantendo viva a promessa de que os ideais revolucionários e a promoção dos direitos humanos voltarão a ser uma e a mesma coisa, norteando a nossa luta.
E, à falta de um companheiro com mais méritos e saber, eu cumprirei esse papel.
Simplesmente porque não consigo suportar a idéia de que um jovem tentado a fazer algo para melhorar o mundo, ao considerar a opção revolucionária, o faça a partir de modelos tão reducionistas, atrabiliários e pouco inspiradores como os de Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad.
Enquanto eu tiver forças e lucidez, continuarei repisando: isso que hoje passa por atuação de esquerda é quase nada, perto da visão grandiosa que os profetas do marxismo e do anarquismo descortinaram para a humanidade.
Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém o blog "Náufrago da Utopia", é autor de livro homônimo sobre sua experiência durante a ditadura militar e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"
5 comentários:
"Mada como um dia após o outro", , mesmo quando a realidade lamentável, mas realidade , mostra o os dois lados da moeda e desmascara a demagogia de quem usa uma história (questionada antes e mais ainda hoje) para defender o que é indefensável. Dia 26 de janeiro se dá inicio a essa polemica, quase sempre retratada na ótica Lungaretti/Lungarzo, por serem eles "adultos e experientes revolucionarios"
Ontem, dia 30 de janeiro, após a polemica tomar conta de mails e debates entre grupos historicamente revolucionários. a mesma AI que se pronuncia em Honduras despresando forças populares , se pronuncia contra o governo da Venezuela, colocando sem meias palavras a "falta de liberdade de imprensa" no país, simplesmente por Chávez cassar concessao de emissoras golpistas, do tipo da rede Globo no Brasil. Ver : http://juntosomos-fortes.blogspot.com/2010/01/anistia-internacional-e-lei-seca-golpe.html e mais detalhadamente aqui:http://juntosomos-fortes.blogspot.com/2010/01/golpe-vista-anistia-internacional.html
Então, qual o lado revolucionário nessa história?
Nanda,
não há sequer polêmica propriamente dita, pois a acusação do Castor à Anistia Internacional foi delirante: a de que seria a AI quem estava ajudando a consolidar o governo do Lobo, ao pedir-lhe que apurasse os crimes da quadrilha de Micheletti.
Ora, quem acabou de vez com qualquer veleidade de resistência ao novo governo foi o Zelaya, ao negociar com Lobo a obtenção de um salvo-conduto e declarar-se disposto a contribuir para a "reconciliação nacional".
Então, o que houve e há é apenas uma ação concertada para desprestigiar dois militantes que lutamos no limite de nossas forças para contribuirmos com a maior vitória da esquerda brasileira nos últimos anos: a confirmação da permanência de Cesare Battisti no Brasil.
Há uma campanha de satanização em curso contra nós. E a AI não passa de pretexto. Você sabe muito bem disto.
Quanto à condenação de violações de liberdades civis, a AI existe exatamente para isto. Por que a Venezuela estaria excluída? Cada organização tem seu escopo e a AI agiu estritamente dentro do seu. Fazia exatamente o mesmo no caso das ditaduras de direita, nunca se esqueça.
Já cansei de repetir: a rua é sempre de duas mãos. Se a AI condenar pressões sobre a imprensa por parte de alguns governos e não de outros, perderá a autoridade moral que lhe permite ser ouvida e considerada pelos cidadãos civilizados. Então, queira ou não queira, tem de sempre pronunciar-se nessa linha.
E, cá entre nós, tirar uma TV a cabo do ar por não transmitir a propaganda oficial é bem diferente de "cassar emissoras golpistas do tipo da rede Globo".
É o tipo da atitude que suscita críticas no mundo inteiro, dando munição inesgotável ao inimigo. Ter todo esse desgaste por causa de uma mera TV a cabo não me parece uma atitude inteligente, para dizer o mínimo.
Por último: há uma diferença entre militantes e claques. Se e quando você chegar a ser adulta e experiente revolucionária, aprenderá isto.
Parabéns Lungaretti. Concordo plenamente com sua postura. É necessário ter coragem para a critica necessária ao fundamentalismo muçulmano. Não se pode fazer vista grossa ao retrocesso (para os valores socialistas pós Revolução Francesa) que é a defesa de repúblicas islâmicas governadas pela sharia. Hoje é moda atacar os judeus de modo geral e louvar os fundamentalistas muçulmanos de modo específico, como se estes é que representassem uma alternativa progressista. É necessário resgatar os princípios básicos libertários da esquerda, marxista ou não marxista, nesta longa trajetória desde o século XIX até o final do século XX. O socialismo é uma corrente maior e mais antiga do que certas correntes personalistas presentes na atual conjuntura histórica. É necessário sim, como você faz, defender os princípios socialistas e marxistas, mesmo que contextualizados ao mundo do século XXI para que as ideias não fiquem fora de lugar. Marx, um judeu alemão, se vivesse hoje, de modo algum apoiaria cegamente movimentos fundamentalistas muçulmanos como o dos aiatolás e o do Hamás (eles nada têm em comum com o ideário da esquerda, a começar pelo dogmatismo religioso que impõe uma cidadania de segunda classe às mulheres). Por mais justas que sejam certas causas, não se pode fechar os olhos a processos pré-modernos obscurantistas como o integrismo muçulmano (que é contra a necessária separação entre Estado e religião, porque advoga a instauração de repúblicas islâmicas regidas pela sharia, que é um código de leis baseado diretamente no Alcorão). O Irã, por exemplo, não é uma grande exemplo de justiça social para a esquerda (só de lembrar que lá as mulheres são consideradas inferiores em dignidade civil em relação aos homens, porque o Alcorão afirma a desigualdade entre os sexos, em prol do domínio masculino, já dá para perceber que metade da população iraniana é discriminada pela sharia como cidadãos de segunda classe e não estou falando só da imposição autoritária do véu, mas de toda a legislação discriminatória face às mulhers que provém de um livro sagrado escrito na Idade Média por tribos nômades através de um profeta analfabeto). Hoje em dia é raro ver algum intelectual marxista ou de esquerda não marxista ter coragem para criticar o fundamentalismo muçulmano, que nada tem em comum, por exemplo, com a chamada teologia da libertação. É necessário sim que este tema seja pensado seriamente pela esquerda marxista sim, com fundamentação teórico-filosófica. A teologia da libertação surgiu como resultado do diálogo entre marxistas e cristãos, em meados do século XX, e os teólogos da libertação aprenderam com o marxismo certos conceitos centrais que empregaram na construção filosófica de sua teologia para interpretar o contexto bíblico e o contexto histórico da chamada Igreja Popular, nas comunidades eclesiais de base, na América Latina, por exemplo. Não há nada parecido com isto no fundamentalismo muçulmano (muito menos mesquitas populares que interpretam o Alcorão e o contexto histórico das repúblicas islâmicas a partir de princípios marxistas). Portanto, espero que você continue fazendo o que está fazendo, com coerência. A maior parte da esquerda ocidental, por desconhecer a realidade história, sob um ponto de vista crítico, projeta no fundamentalismo muçulmanos características que ele não tem (por ausência total de senso crítico). É necessário, portanto, difundir um maior conhecimento crítico sobre o islamismo e sobre o contexto sócio-econômico, político e cultural do mundo árabe (a barreira da língua impede isto, mas há muitas maneiras de estabelecer ponstes entre nosso mundo linguístico e o deles). Isto quer dizer que estes que o criticam, se vivessem, aqui e agora, em uma sociedade dominada pela sharia logo iriam perceber que você está certo ao fazer a crítica que faz (Deus nos livre de sermos dominados, no Brasil, pela sharia, se por acaso "a religião que mais cresce," bordão tão repetido pelas lideranças clericais islâmicas, tomasse conta do Brasil).
Fico triste de ver tanta desinformação. Na ótica revolucionária materialista, rejeita-se qualquer atitude ou proposta renovada de resistência à hegemonia capitalista no mundo. Como se o pensamento marxista pudesse ser uma doutrina universal, quando nem uma proposta política ficou acabada. A crítica ao sistema capitalista é impecável, porém há outras formas de aplicar os antídotos sem lançar mão da nada ingênua manipulação das minorias beneficiadas sobre a democracia liberal, onde as elites estarão sempre na parte mais larga de acesso às oportunidades. Para falar de Hugo Chavez e seu jeito de governar é preciso antes fazer um mergulho na história da Venezuela, até perceber que os colonos do século XVI ainda estão presentes, através de seus representantes, entre eles, a mídia que se presta bem a esses papéis por um bom vil metal. Quanto a Ahmadinejad, que diferença faz o autor do bem? O importante é fazê-lo, através de bancos revolucionários em relação ao monopólio do sistema financeiro ocidental que tornou potências marionetes de suas vontades sob a constante ameaça de deflagarem crises financeiras que surgem como tsunamis por todo planeta.
Acho que as pessoas que participam desse blog se utilizam como fonte de informação as organizações Globo e a Bandeirantes, Folha de São Paulo, Estadão e outros manipuladores de opinião.
Depois do pesadelo stalinista, que dilapidou o patrimônio moral acumulado pelos comunistas em décadas e décadas de atuação digna, surgem novamente pessoas justificando práticas atrabiliárias e infames, na base do "em compensação isso, em compensação aquilo".
Nós lutamos em nome de uma sociedade perfeita que, verdadeiramente, ainda não existe. Os nossos ideais são julgados pelos cidadãos comuns a partir dos exemplos que damos hoje e agora.
Então, nada do que Ahmadinejad faça de positivo será suficiente para justificar as execuções de pobres coitados apenas por haverem participado de passeata em dia santo.
Nem a insensibilidade do governo cubano face a greves de fome de indivíduos que causariam prejuízo ínfimo se atendidos em seus pleitos, mas causam prejuízo colossal se martirizados.
A revolução só voltará a ser internacional se reassumir seu compromisso com a liberdade. Os civilizados não abrem mais mão disso.
Na versão primária e brutal defendido por alguns, continuará restrita às nações periféricas, que não são as que definem os rumos da humanidade, como cansou de afirmar Marx.
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