Por Luiz Alberto Molinar (*), jornalista
A "comunista convicta" - como sempre fazia questão de reafirmar - Lucilia Soares Rosa, 98 anos, morreu de causa natural, anteontem (3/3), às 18h30. Depois de jantar, deu um de seus gritos costumeiros. Foi sua despedida. O hino “A Internacional”, o qual cantava com frequência, foi tocado na flauta e levou à emoção amigos e companheiros presentes ao velório. Ela será homenageada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, no final deste mês, juntamente com nove mulheres, entre elas Clara Charf, ex-mulher do deputado baiano constituinte de 1946 e guerrilheiro, Carlos Marighela.
Lucilia Rosa, aos 35 anos, foi uma das 17 primeiras vereadoras eleitas em Minas. Ela era de Uberaba, mas morava em Campo Florido, a 70km, onde conquistou, em 1947, uma cadeira da Câmara Municipal. Foi escolhida pelo PSD, porém era militante do PCB (Partido Comunista do Brasil) desde os 18 anos, quando se filiou e foi batizada como "Lucrécia", seu "nome de guerra".
Ousou e enfrentou preconceitos ao ligar as trompas, em 1939, depois de ter dois filhos. Essa operação somente realizava-se na Europa. Foi presa duas vezes. Em 1949, ao cuspir no rosto do delegado, em Campo Florido. Ficou detida por 13 dias por participar de manifestação contra o envio de jovens brasileiros para a Guerra na Coreia. Foi em 1951, em Uberlândia. Morou, em São Paulo, durante 15 anos, de 1958 a 1972, quando trabalhou como doméstica, entre outras patroas, para a deputada federal Ivete Vargas (PTB), sobrinha do presidente Getúlio Vargas, que conseguiu-lhe emprego na Caixa Econômica e nos Correios. Rejeitou e manteve-se na profissão que possibilitou-lhe as formaturas, em odontologia, dos dois filhos.
Ela chegou aos 98 anos, em agosto de 2010, e tinha memória extraordinária. Deixou um acervo rico de documentos, entre eles, correspondências que manteve com Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB entre os anos de 1930 e 1980, e com Anita Leocádia, filha dele com Olga Benário, morta em campo de concentração nazista, na Alemanha. Lucilia mantinha contato permanente com ela há mais de 30 anos. Moraram juntas durante dois anos e meio, entre 70 e 72, clandestinamente, durante os mais sangrentos da ditadura militar, em São Paulo. Passava-se por tia de "Alice Nascimento", codinome de Anita. Residiu também, durante três meses, em 1962, com a família de Prestes, a quem ajudava a cuidar de seis dos sete filhos.
Sua vida vai ser registrada em livro: “Lucilia - Rosa Vermelha”. O projeto de pesquisa sobre sua história surgiu durante visita do então presidente da Câmara de vereadores de Uberaba, Lourival dos Santos (PC do B), a ela. Estava, em 2006, com a saúde debilitada após 25 dias em coma. Ao ser indagada sobre seu sonho, disse que gostaria de ter sua trajetória publicada em livro. A partir daí a diretora de Comunicação do Legislativo, Evacira de Coraspe, coordena o trabalho desenvolvido pela historiadora Luciana Maluf Vilela e pelo jornalista Luiz Alberto Molinar. A obra, que será lançada brevemente, vai revelar a personalidade, os caminhos de Lucilia, de libertários, anarquistas, socialistas. Enfim, a origem dos movimentos populares e de seus protagonistas em Uberaba e região, desde o final do século 19 até 2000.
“O Capital” e a “Bíblia”
Lucilia era filha de anarquista. Não foi batizada na igreja. Nunca pintou as unhas e nem se maquiou. Namorou muitos. Dois primos a pediram em casamento. Foi costureira de vestido de noiva. Casou por contrato com homem casado. Foi professora, faxineira, doméstica e cozinheira de 'mão cheia'. Ateia desde criancinha. Espiritualista aos 90 anos: "Há algo mais. Eu não acredito em Deus, mas alguns amigos acreditam e eu acredito neles".
“O Capital” - principal livro sobre as ideias socialistas - foi sua cartilha durante décadas, mas ultimamente gostava que lessem a “Bíblia” para ela. Dedicou toda sua vida à causa revolucionária. Lutou por uma sociedade justa para todos. Lucilia significava solidariedade, sinceridade. Disciplinadora, porém doce, amável, às vezes, até angelical. Gostava muito de conversar. De contar causos seus e dos outros. Todos sem censura.
Lucilia deixou dois filhos dentistas: Calixto Rosa Neto, que foi vereador pelo PSD em Campo Florido, de 1963 a 1964, e depois em Uberaba, de 1983 a 1988, pelo PMDB, e Moizés Soares Rosa, diretor a cooperativa Uniodonto, além 13 netos, oito bisnetos e uma trineta.
*Agradeço ao companheiro Luiz Alberto pelo envio do texto.
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