É carnaval, mas o mundo segue girando
Por Mario Augusto Jakobskind (*)
É Carnaval, mas nem por isso o mundo está parado, muito pelo contrário. Os fatos acontecem com uma velocidade espantosa, como no caso da Líbia, onde não será surpresa se o governo Barack Obama decidir algum tipo de intervenção militar seja via Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Organização das Nações Unidas (ONU) ou mesmo por conta própria.
O pretexto poderá ser o de evitar a continuação do banho de sangue que ocorre no país árabe, mas cujas informações são bastante contraditórias e as armas utilizadas pelo Estado foram adquiridas no Ocidente. Na verdade, os Estados Unidos pouco se importam se direitos humanos são ou não respeitados nos países vinculados a Washington. Mas quando o país não está nos conformes, haja vista o Irã, ou mesmo a Líbia sob o comando do “ex-regenerado” Muammar Khadafi, a história muda.
A propósito, o Ministério do Interior saudita advertiu que empregará as forças de segurança para reprimir quem tentar alterar ou infringir o sistema. Em outras palavras: a monarquia amiga de Washington já autorizou a polícia a reprimir qualquer manifestação popular. Trocando em miúdos: as autoridades já devem ter detectado descontentamento popular e estão preparados para matar quem ousar protestar. Se amanhã acontecer alguma mobilização dos xiitas, que sofrem restrições em sua cidadania e são explorados ao extremo no trabalho com jornadas de até 12 horas, e a monarquia mostrar como mantém a sua autoridade, como reagirá o governo Barack Obama? Não é difícil prever. Vai se comportar como no início das manifestações no Egito contra Mubarak.
Khadafi, por mais que costeasse o alambrado nos últimos oito anos, nunca caiu totalmente nas graças do Ocidente. Mas que ele se esforçou ao máximo, fazendo concessões atrás de concessões, se associando com empresas multinacionais petrolíferas e outros babados, isso não há dúvidas.
Os EUA não querem mais saber de concessões de Khadafi, pois agora estão sequiosos pelo petróleo de alta qualidade da Líbia. Já começaram a colocar pretextos para uma eventual intervenção militar. Mas tanto Barack Obama como a secretária de Estado Hillary Clinton não conseguem convencer, a não ser os aliados de sempre, sobretudo a Grã-Bretanha de David Cameron, na retórica de defesa dos direitos humanos.
A diferença em relação ao período George W. Bush é que Barack Obama vai pensar duas vezes antes de agir, porque os Estados Unidos estão encalacrados no Iraque e Afeganistão. Abrir uma nova frente neste momento apesar do interesse no petróleo líbio pode ser complicado, embora o pessoal do complexo industrial militar não pense assim.
Corre sangue na Líbia, resta saber em que grau, mas uma intervenção estrangeira poderá aumentar a gravidade da situação e o número de vítimas dos confrontos. Pode essa intervenção até prolongar a era Khadafi.
Por outro lado há detalhes nebulosos nos fatos que se sucedem no país árabe, como, por exemplo, a acusação sobre a existência de um muito atuante movimento insurrecional em Benghazi, a Frente Nacional para a Salvação da Líbia, organizada e financiada pela Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA).
Claro que o governo dos EUA vai desmentir. Como as informações procedentes da Líbia são a cada momento mais desencontradas fica difícil chegar à conclusão de quem é quem nos confrontos. E essa dúvida poderá persistir durante muito tempo, só sendo esclarecida, como em outros acontecimentos do gênero, muito tempo depois, quando os arquivos implacáveis estadunidenses e de outros países europeus forem tornados públicos. Os fatos não são tão simples assim e estão sujeitos à manipulação da informação.
Nesta altura, fica valendo a proposta do Presidente Hugo Chávez, já aceita por Khadafi, de formação de uma Comissão internacional para inspecionar a Líbia e a partir daí chegar a uma conclusão sobre o que de fato acontece. Depois disso tomar as medidas que forem necessárias.
Ouvir os dois lados é uma condição importante para evitar que apareça uma verdade que posteriormente possa ser colocada em dúvida. Ainda mais agora depois que oficiais do Estado Maior da Rússia informaram que monitoravam por satélite o espaço aéreo da Líbia e não constataram ataques aéreos a Tripolil ou Benghazi, como foi noticiado no último dia 22 de fevereiro em todo o mundo. Esta informação na verdade faz lembrar o Iraque naquela história das armas de destruição em massa.
A propósito de arquivos implacáveis, na semana que passou na Argentina dois ex-ditadores, Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, mais uma vez sentaram-se no banco dos réus. Desta vez para responderem sobre roubo de 34 crianças separadas violentamente das mães presas políticas e assassinadas.
A história, como sempre, dá voltas. Os dois referidos facínoras, já condenados por outras violações dos direitos humanos estão respondendo processo graças a dois deputados, Juan Cabandié, do Partido Justicialista vinculado a Kirchner, e Victoria Donda, do Congresso da Nação, agrupamento político mais a esquerda. Ambos foram retirados dos braços de suas mães e entregues às famílias de pessoas vinculadas à repressão.
Anos depois, graças as Avós e Mães da Praça de Maio, suas verdadeiras origens foram descobertas. Os dois engajaram-se na política. Foram eleitos parlamentares e decidiram exigir que Videla e Bignone respondessem na Justiça pelo que fizeram. Ou seja, trata-se de um processo não apenas da mais alta relevância como de grande valor simbólico. Juan e Victoria na prática estão reverenciando as mães assassinadas pela repressão de responsabilidade de generais facínoras.
*Mário Augusto Jakobskind é jornalista, mora no Rio de Janeiro e é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de S. Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, dentre outros livros, de “América que não está na mídia” e “Dossiê Tim Lopes – Fantástico / Ibope”. É colunista do site “Direto da Redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
=> Artigo publicado originalmente no site "Direto da Redação".
O pretexto poderá ser o de evitar a continuação do banho de sangue que ocorre no país árabe, mas cujas informações são bastante contraditórias e as armas utilizadas pelo Estado foram adquiridas no Ocidente. Na verdade, os Estados Unidos pouco se importam se direitos humanos são ou não respeitados nos países vinculados a Washington. Mas quando o país não está nos conformes, haja vista o Irã, ou mesmo a Líbia sob o comando do “ex-regenerado” Muammar Khadafi, a história muda.
A propósito, o Ministério do Interior saudita advertiu que empregará as forças de segurança para reprimir quem tentar alterar ou infringir o sistema. Em outras palavras: a monarquia amiga de Washington já autorizou a polícia a reprimir qualquer manifestação popular. Trocando em miúdos: as autoridades já devem ter detectado descontentamento popular e estão preparados para matar quem ousar protestar. Se amanhã acontecer alguma mobilização dos xiitas, que sofrem restrições em sua cidadania e são explorados ao extremo no trabalho com jornadas de até 12 horas, e a monarquia mostrar como mantém a sua autoridade, como reagirá o governo Barack Obama? Não é difícil prever. Vai se comportar como no início das manifestações no Egito contra Mubarak.
Khadafi, por mais que costeasse o alambrado nos últimos oito anos, nunca caiu totalmente nas graças do Ocidente. Mas que ele se esforçou ao máximo, fazendo concessões atrás de concessões, se associando com empresas multinacionais petrolíferas e outros babados, isso não há dúvidas.
Os EUA não querem mais saber de concessões de Khadafi, pois agora estão sequiosos pelo petróleo de alta qualidade da Líbia. Já começaram a colocar pretextos para uma eventual intervenção militar. Mas tanto Barack Obama como a secretária de Estado Hillary Clinton não conseguem convencer, a não ser os aliados de sempre, sobretudo a Grã-Bretanha de David Cameron, na retórica de defesa dos direitos humanos.
A diferença em relação ao período George W. Bush é que Barack Obama vai pensar duas vezes antes de agir, porque os Estados Unidos estão encalacrados no Iraque e Afeganistão. Abrir uma nova frente neste momento apesar do interesse no petróleo líbio pode ser complicado, embora o pessoal do complexo industrial militar não pense assim.
Corre sangue na Líbia, resta saber em que grau, mas uma intervenção estrangeira poderá aumentar a gravidade da situação e o número de vítimas dos confrontos. Pode essa intervenção até prolongar a era Khadafi.
Por outro lado há detalhes nebulosos nos fatos que se sucedem no país árabe, como, por exemplo, a acusação sobre a existência de um muito atuante movimento insurrecional em Benghazi, a Frente Nacional para a Salvação da Líbia, organizada e financiada pela Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA).
Claro que o governo dos EUA vai desmentir. Como as informações procedentes da Líbia são a cada momento mais desencontradas fica difícil chegar à conclusão de quem é quem nos confrontos. E essa dúvida poderá persistir durante muito tempo, só sendo esclarecida, como em outros acontecimentos do gênero, muito tempo depois, quando os arquivos implacáveis estadunidenses e de outros países europeus forem tornados públicos. Os fatos não são tão simples assim e estão sujeitos à manipulação da informação.
Nesta altura, fica valendo a proposta do Presidente Hugo Chávez, já aceita por Khadafi, de formação de uma Comissão internacional para inspecionar a Líbia e a partir daí chegar a uma conclusão sobre o que de fato acontece. Depois disso tomar as medidas que forem necessárias.
Ouvir os dois lados é uma condição importante para evitar que apareça uma verdade que posteriormente possa ser colocada em dúvida. Ainda mais agora depois que oficiais do Estado Maior da Rússia informaram que monitoravam por satélite o espaço aéreo da Líbia e não constataram ataques aéreos a Tripolil ou Benghazi, como foi noticiado no último dia 22 de fevereiro em todo o mundo. Esta informação na verdade faz lembrar o Iraque naquela história das armas de destruição em massa.
A propósito de arquivos implacáveis, na semana que passou na Argentina dois ex-ditadores, Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, mais uma vez sentaram-se no banco dos réus. Desta vez para responderem sobre roubo de 34 crianças separadas violentamente das mães presas políticas e assassinadas.
A história, como sempre, dá voltas. Os dois referidos facínoras, já condenados por outras violações dos direitos humanos estão respondendo processo graças a dois deputados, Juan Cabandié, do Partido Justicialista vinculado a Kirchner, e Victoria Donda, do Congresso da Nação, agrupamento político mais a esquerda. Ambos foram retirados dos braços de suas mães e entregues às famílias de pessoas vinculadas à repressão.
Anos depois, graças as Avós e Mães da Praça de Maio, suas verdadeiras origens foram descobertas. Os dois engajaram-se na política. Foram eleitos parlamentares e decidiram exigir que Videla e Bignone respondessem na Justiça pelo que fizeram. Ou seja, trata-se de um processo não apenas da mais alta relevância como de grande valor simbólico. Juan e Victoria na prática estão reverenciando as mães assassinadas pela repressão de responsabilidade de generais facínoras.
*Mário Augusto Jakobskind é jornalista, mora no Rio de Janeiro e é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de S. Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, dentre outros livros, de “América que não está na mídia” e “Dossiê Tim Lopes – Fantástico / Ibope”. É colunista do site “Direto da Redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
=> Artigo publicado originalmente no site "Direto da Redação".
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