Voar é ser livre? Foto tirada da janela de uma barca com a câmera do celular (Ana Helena Tavares) |
Um mundo em rota de colisão com a liberdade
Por Ana Helena Tavares* em 20 de Fevereiro de 2011
Rui Barbosa dizia que “um povo cuja fé se petrificou é um povo cuja liberdade se perdeu”. Substituamos o conceito de fé pelo de esperança...
Hoje, quando caminho pelas ruas das grandes cidades, vejo que o bicho homem deixou sua esperança se petrificar e vive preso dentro de sua própria casa. Seja por opção, seja por medo. Pra quê se a vida, por si só, é perigosa? Como viver, em plenitude, sem a coragem que nos cobrava Guimarães Rosa?
Antigamente, costumava haver placas nas portas com a inscrição: "bem-vindo". Agora há placas, espalhadas ao longo de arames eletrizados, onde se lê "perigo"... Foi pra isso que a humanidade "evoluiu"?
E como o passarinho pousará no telhado? E como o vizinho se aventurará a pedir açúcar? E como as crianças terão um sorriso doce?
Por que o trauma tem que vencer a vida? Por que o medo tem que esconder os rostos? Por que o luto tem que tolher a paz?
O mundo árabe vive uma fase de luta por direitos essenciais, o maior deles: a liberdade. Mas, ao redor do planeta, essa palavra – esse conceito, essa utopia – ainda é o objeto de desejo mais caro e mais mal usado.
Tão logo se chega “lá”, tão logo se lambuza com o novo “brinquedo”, de tal forma que ele fica fora de controle. De tal forma que o desejo saciado desorienta.
A pergunta é: será que o homem quer a liberdade?
Hoje, há empresas, como a “Ten” da Inglaterra, que oferecem um serviço chamado “Gestão de estilo de vida”. Milhares de pessoas, “sem tempo”, afundadas nos incontáveis afazeres inúteis que a pós-modernidade criou, pagam rios de dinheiro para os funcionários destas empresas, em ritmo de robôs, fazerem por elas desde coisas triviais, como escolher pãezinhos na padaria, a decisões de vida, como para qual cidade se mudar.
Hoje, há empresas, como a “Ten” da Inglaterra, que oferecem um serviço chamado “Gestão de estilo de vida”. Milhares de pessoas, “sem tempo”, afundadas nos incontáveis afazeres inúteis que a pós-modernidade criou, pagam rios de dinheiro para os funcionários destas empresas, em ritmo de robôs, fazerem por elas desde coisas triviais, como escolher pãezinhos na padaria, a decisões de vida, como para qual cidade se mudar.
Liberdade não combina com comodismo e, neste sentido, a tecnologia caminha em rota de colisão com a musa de Castro Alves.
A internet que liberta, que dá asas à imaginação, que organiza revoluções, é a mesma que escraviza, que paralisa o corpo e, de forma paradoxal, também a mente. É, em número cada vez mais crescente de casos, uma prisão que atinge muito mais gente e poderá ter conseqüências bem mais profundas do que as senzalas que causavam horror ao “cantor dos escravos”.
No século XIX, as correntes eram símbolo de escravidão. No século XXI, são as redes. Ditas “sociais”, são, sim, muito benéficas, permitindo a interação entre pessoas do mundo inteiro. Mas viciam e proporcionam a ilusão de que, através dali, é possível saber de tudo, fazer tudo.
No entanto, o canto do passarinho jamais será o mesmo ouvido através de uma tela. E o que dizer das “fazendas” virtuais, com vacas que dão um leite que ninguém bebe e com uma grama que ninguém pisa?
O bicho homem, desorientado pelo próprio livre-arbítrio, foge da violência urbana e acaba se matando lentamente, em doses homeopáticas. Um tiro no peito é mais indolor.
Mas, para que Rui Barbosa não ache que também eu perdi a fé, vale registrar que, talvez, a esperança esteja na juventude que, nascida no computador, e cheia dele, poderá se interessar em reinventar a vida.
*Ana Helena Tavares, jornalista, escritora e poeta eternamente aprendiz. Editora-chefe do blog "Quem tem medo do Lula?"
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