Eles são dois irmãos siameses, embora nascidos com três anos de diferença a quase dez mil quilômetros de distância. Olhando os dois, de perto, um ao lado do outro, podemos afirmar o que disse dona Rhea Silvia vendo seus dois filhos gêmeos Rômulo e Remo mamando na loba, antes da fundação de Roma: Facies Uni, Culus Alteri. O que significa, em bom português, na tradução simultânea feita pelo professor Agenorum: a cara de um é o fiofó do outro.
Um dos siameses nasceu às margens do rio Pó, em Milão (Itália), em 29 de setembro de 1936, é libriano. O outro, do signo de Escorpião, nasceu à beira do Juruá, em Eirunepé (AM), em 16 de novembro de 1939. Um, cujo hobby é o xadrez, não perde jogo do Milan, no Estádio San Siro. O outro, viciado em dominó, quando pode assiste as peladas do seu time – Tufão do Juruá - no Estádio Municipal João Conrado, conhecido como Dissicão. Um adora panetone. O outro não dispensa um xis-caboquinho, com pão francês, queixo coalho e tucumã descascado pelo Cabo Pereira.
Irmãos siameses
As diferenças, no entanto, param por aqui. Se um se olhar no espelho, vê a imagem do outro. Os dois se formaram em direito, são advogados, mas jamais exerceram a profissão. O negócio de cada um deles começou com a construção civil. Ambos mamaram na loba, enriquecendo como empreiteiros. Silvio Berlusconi, aos 23 anos, fundou sua construtora, a Cantieri Riuniti Milanese, edificou dois grandes conjuntos residenciais na zona leste de Milão, passou a perna no seu sócio e embolsou o lucro.
Amazonino Mendes criou a construtora Arca e, aos 33 anos, quando seu empregado analfabeto, o pedreiro Antonio Alves do Carmo, tirou a sorte grande na Loteria Esportiva, convenceu-o a se tornar seu sócio, construindo o conjunto Ayapuá, na zona oeste de Manaus. Uma mudança contratual deixou o pedreiro na pindaíba, sem dinheiro sequer para comprar um caixão de terceira classe, adquirido numa “vaquinha” feita pelos amigos, quando morreu de câncer em 25 de março de 2009.
O italiano foi identificado pela revista Forbes como o homem mais rico da Itália, uma fortuna calculada em 9,4 bilhões de euros. Construiu para si, na Costa Esmeralda, Sardenha, uma mansão suntuosa denominada Villa Certosa, onde promove “festas dignas das Mil e Uma Noites”, nas quais as meninas convidadas recebem tratamento de “princesa”, segundo a revistaL’Espresso. O palacete tem jardim botânico, lagos cheios de tartarugas, uma gruta natural em forma de baleia e um vulcão artificial que entra em erupção derramando cascatas de luz sobre uma lagoa.
O amazonense foi identificado pela revista Veja, em 1997, como um homem podre de rico, com uma fortuna estimada na época em 200 milhões de reais, quantia superior às riquezas somadas de todos os cabocos de Eirunepé. Dono de um jatinho learjet e de dois iates, ele construiu para si, às margens do igarapé Tarumã, mansão espetacular de quatro andares, torre com elevador panorâmico, salões de jogos e de festas, heliporto, quatro piscinas climatizadas, dois lagos artificiais, cascatas, jardins, quadra de esporte e pista de Cooper.
O gêmeo de Milão é filho político de Betino Craxi, o premiê italiano processado por corrupção na ‘Operação Mãos Limpas’. Depois de ter sido derrotado duas vezes, uma nas eleições regionais em 2005 e outra nas eleições gerais de 2006 por Romano Prodi, Berlusconi foi eleito, em 2008, pela terceira vez, primeiro ministro da Itália, aos 71 anos de idade, pelo PDL (sporco, sporco!).
Seu irmão gêmeo de Eirunepé foi afilhado político do governador Gilberto Mestrinho, cassado em 1964, acusado de corrupção. Depois de ser derrotado duas vezes, uma por Serafim Correa nas eleições para prefeito de Manaus, em 2004, e outra para governador, em 2006, Amazonino assumiu, pela terceira vez, o cargo de prefeito de Manaus, em 2009, aos 70 anos de idade, eleito pelo PTB (vixe, vixe!).
Os dois conseguiram se reeleger prometendo aos eleitores mundos e fundos. Berlusconi acenou com “um milhão de liras ao mês para todos”, enganando os aposentados, que acreditaram nele, além de um milhão de empregos para os italianos sem trabalho.
Amazonino jurou que criaria mil creches, instalaria carretas para distribuição de internet gratuita à população carente da Zona Leste e governaria dentro de um ônibus que ficaria zanzando na periferia de Manaus. Os eleitores “babacones” caíram no conto eleitoral dos dois. É muita coincidência.
La facha brutta
Mas você está equivocado se pensa que as semelhanças entre os irmãos siameses terminam aqui. Berlusconi foi processado por associação mafiosa, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, participação em homicídio, corrupção, abuso de poder e incitação à prostituição de menores. Foi condenado duas vezes: a primeira por financiamento ilegal de partidos e a segunda por suborno de inspetores fiscais. Nos dois casos, recorreu e conseguiu ser absolvido. Em quatro casos, os crimes prescreveram.
Seu irmão gêmeo da floresta foi acusado de ser o principal articulador da compra de votos para a emenda da reeleição de FHC, com pagamento de 200 mil reais em troca do voto de cada deputado federal. Sua candidatura à prefeitura foi criticada pela OAB e pelo Ministério Público, já que ele respondia a processos de crimes da lei de licitações, crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária. Foi cassado pela juíza Maria Eunice Nascimento e recorreu ao TRE que concedeu uma liminar para sua posse.
Os dois se declaram injustiçados e caluniados por adversários invejosos. Berlusconi usa sua verborreia contra as instituições do Estado, desrespeitando a magistratura. Amazonino, em campanha eleitoral, afirmou em entrevista à Rádio Nova Olinda: “Compra-se a consciência de políticos, compra-se juiz, desembargador, compra-se tribunais de um modo geral: tribunal de contas, ministério público”. Esse é o respeito que ele tem pelo Judiciário.
Berlusconi, que tem feito declarações contra os imigrantes da Tunísia, da Argélia e dos países árabes, deve comparecer a julgamento por fraude fiscal, nessa segunda-feira, 28 de fevereiro, num processo que estava paralisado. Já o início do julgamento por prostituição de menores e extorsão está previsto para 8 de abril.
Quanto a Amazonino Mendes, o vereador Joaquim Lucena (PSB) protocolou nesta sexta-feira um pedido de impeachment, porque o prefeito de Manaus agrediu uma moradora de área de risco onde morreram uma mulher e duas crianças soterradas por um barranco. Em conversa com o prefeito, ela argumentou não ser uma escolha sua residir ali. “Minha filha, então morra, morra, morra” – disse-lhe Amazonino, com raiva, matando-a três vezes seguidas. Aí, informado de que a moradora era paraense, afirmou: “Então está explicado”. Essa deixou o próprio Berlusconi no chinelo.
Segundo Lucena, o prefeito de Manaus ofendeu não apenas os paraenses – os árabes do Berlusconi da floresta, mas toda a população, agindo de forma incompatível com a dignidade e o decoro do cargo, conforme fica evidenciado em vídeo divulgado no Youtube:
Silvio Berlusconi e Amazonino Mendes: o mesmo combate. Na Itália, as mulheres saem às ruas para protestar. E em Manaus? O escritor Saramago chamava Berlusconi de “Essa Coisa”. Já que Amazonino compartilha com Berlusconi a elegância, a fineza no trato, a sensibilidade e a mesma “facha brutta”, podemos emprestar a imagem de Saramago e dizer que Amazonino é “Essa Coisa” da floresta?
*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo, natural de Manaus e assina no “Diário do Amazonas” coluna semanal tida como uma das mais lidas da região norte. Reside no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e é professor da UERJ, onde coordena o programa “Pró-Índio”. Mantém o blog “Taqui Pra Ti” e é colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
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