Carlos A. Lungarzo
Anistia Internacional
A mídia marrom, grande ou pequena, passa reiteradamente a notícia de que no dia 20 de janeiro, o Parlamento Europeu vai votar uma moção contra Battisti e contra o governo brasileiro, que foi preparada por todos os parlamentares italianos. Esta parte da informação é correta, pois o parlamento italiano está integrado por neofascistas, por ex-membros da Democracia Cristã (e, portanto, próximos da Igreja e da Máfia), por ex-neo-stalinistas, e por oportunistas socialdemocratas. A única esquerda organizada na Itália, a Rifondazione Comunista, se encontra fora do Parlamento.
Mas, o que a mídia não fala, é que a moção apresentada pelas “lojas” políticas italianas não é a única. Por sinal, como os MEPs (parlamentares do PE) se distribuem por grupos que equivalem ao que seria um partido político, os deputados italianos junto à UE não estão todos no mesmo grupo. Assim sendo, há 3 moções quase iguais, que foram apresentadas por deputados italianos de cada um dos grupos. Como o poder de voto é individual e não por grupo, apresentar as propostas por grupos diferentes (o que é legalmente correto, desde que estas não sejam absolutamente iguais) não implica um maior consenso, mas, sem dúvida, possui um papel propagandístico bem maior.
Entretanto, além disso, há algumas moções diferentes, sobre as quais quero dar uma notícia rápida aqui. Antes de prosseguir é necessário ter em conta que em 2009, já foi aprovada uma moção sugerindo mornamente uma nova análise do caso Battisti, por apenas o 7,2% de quórum. Houve 46 votos a favor, 8 contra e quase 680 ausências.
Em fim, não sabemos o que acontecerá amanhã, mas pelo menos sabemos como são as seis moções que estarão em jogo, para serem votadas a partir das 16:00 horas locais. De qualquer maneira, estes dados são simples curiosidades. Qualquer que seja a resolução, ela expressa apenas opiniões dos MEPs, num assunto que nada tem a ver com as relações entre a União Européia e o Brasil, pois nenhum de ambos tem jurisdição comum com o outro. O resultado, seja a favor da Itália, contra a Itália ou neutro, possui apenas um valor de propaganda. Aliás, deve lembrar-se que em 2009, grande parte dos parlamentares se recusara a votar porque acharam que a UE não podia manifestar-se nem a favor nem contra. Extradição com estados fora da UE não tem nada a ver com o Parlamento Europeu. É óbvio que ninguém pode impedir que alguns MEPS (como os da ultradireita, que perfazem o 36% do total) se reúnam para apoiar ou atacar quem quer que seja. Mesmo se apoiaram o Brasil, essa moção não teria valor nenhum.
Convém destacar que os parlamentares representam seus grupos, mas essa relação não implica que todos os membros de cada grupo votem da mesma maneira. A situação é totalmente análoga à de um parlamento nacional. Membros de um mesmo partido podem ter votos diferentes ou se abster. Os parâmetros que servem para indicar o quórum de votantes ou o sucesso da moção é o número de MEPs e não o número ou tamanho dos grupos.
As Moções Pró-Itália
As moções em favor da Itália provêm de diversos grupos de direita (clássica ou “modernizada”), nos quais há parlamentares italianos. Todas as estão escritas unicamente em Italiano, uma prática desusada na UE, onde as moções são transcritas aos idiomas principais do Parlamento (pelo menos, ao inglês e ao francês). A não tradução das mesmas às línguas principais da Europa pode significar que não despertaram muito interesse em outros parlamentares, pois a UE não é tão pobre que não possa pagar tradutores. MEPs que entendem italiano, alemão ou espanhol (sem pertencer a países onde essas línguas são oficiais) são poucos.
Estas 3 moções da direita são as RC-B7-0042/2011, RC-B7-0064/2011, RC-B7-0050/2011, apresentadas pelo grupo do Partido Popular, pelo grupo Conservador e pela Aliança Liberal e Democrática. Todas as moções são muito parecidas, mas a que corresponde ao Partido Popular é a mais agressiva. Quem não tiver algo mais interessante para fazer, pode ler o texto aqui.
Nelas se repetem as queixas contra a atitude do Brasil, qualifica-se a Battisti de terrorista, se pede sua extradição, e se adverte (usando os mesmos truques da mídia brasileira e italiana) que o STF autorizou o presidente Lula para extraditar Battisti. Não esclarece que o STF o autorizou a aceitar ou recusar a extradição.
Moção de Conciliação
Há uma moção conjunta assinada pelo grupo de ultradireita EPP, o grupo de direita clássica (ECR), o grupo de direita moderada Aliança de Democratas e Liberais (ALDE). O EPP representa, na Itália e na Alemanha, o fascismo e a democracia cristã, na Espanha, o franquismo e, em países menores, resíduos da direita de pré-guerra. Como a moção é conciliatória, entrou nela também o grupo Socialismo e Democracia (S&D). É verdade que neste grupo a maioria pertence à centro-esquerda oficial, mas também estão alocados setores que há décadas migraram à direita, como os socialdemocratas e os neostalinistas italianos do Partito Democratico (PD). Parece evidente que a cumplicidade de Socialismo e Democracia com este manifesto da direita, deve-se a um compromisso negociado com os membros do PD que militam nesse grupo, os quais (não sabemos por que) se recusam a confessar-se parte da direita.
Nem os ecologistas nem os setores de esquerda (atualmente minoritários, em face do grande avanço neofascista e neoliberal nas últimas duas décadas) colaboram nesta moção.
Esta proposta é muito semelhante á que foi aprovada em 2009. Apela ao senso de democracia jurídica do Brasil e o insta a elaborar uma decisão em conjunto com a Itália, para explorar a possibilidade de encontrar uma interpretação “correta” do Tratado. Lembra que a UE se caracteriza por seu senso de justiça, o que qualifica seus estados membros.
É evidentemente uma fórmula de transação entre elementos de centro (eventualmente “centro-esquerda”) inseridos no grupo Socialismo e Democracia e a maré de parlamentares italianos, cuja atividade parece cingir-se a conseguir a extradição. De qualquer maneira, representa apenas uma alternativa confortável para deixar os italianos contentes num assunto que para os outros países não significa nada. A maioria dos parlamentares europeus nem sabe que foram os PAC, nem têm interesse de saber. Lembre-se, de passagem, que já nos começos de 1970, quase nenhum país da Europa colaborava com os EEUU e a Itália na operação Gladio, que tinha sido montada pela NATO com a pretensão de incluir todos eles.
Mas esta moção “conciliatória” pode servir de grande propaganda. Lembrem que, em 2009, as agências internacionais italianas difundiram esta morna “solidariedade” como se fosse um grande triunfo, em quanto os jornais da direita amaldiçoavam seus pouco entusiastas cúmplices.
Atitudes Objetivas
Os grupos de esquerda europeus (me refiro aos descendentes da Nova Esquerda, uma vez que neostalinistas e similares também se consideram de esquerda), que não reúnem mais de um 15% dos MEPs, têm repudiado a manipulação do Parlamento pela Itália, e alguns deles se abstiveram de apresentar moções.
Entretanto, o grupo ALE (ecologistas, especialmente escandinavos), apresentou a moção RC-B7-0050/2011, onde, na parte resolutiva (transcrita literalmente, porém com grifos meus)...
1. Enfatiza que o respeito da legalidade e independência do poder judicial, incluindo o tratamento limpo (fair) dos cidadãos já condenados, está incorporado nos valores básicos do Brasil e da UE.
2. Indica que a parceria entre a UE e o Brasil está baseada no entendimento mútuo de que ambas as partes defendem a prevalência da lei e dos direitos básicos, incluindo o direito de defesa e o direito a um julgamento justo e equitativo. Deplora os julgamentos em ausência, e reitera que a extradição de Cesare Battisti só poderia ser realizada se fosse garantido um novo julgamento completo.
3. Expressa sua solidariedade com as vitimas do terrorismo e suas famílias na Itália e em outros países;
4. Sublinha que os procedimentos judiciais estão atualmente em processo no STF do Brasil, no qual confia;
5. Sublinha que não cabe a UE interferir em processos judiciais em andamento.
(Aqui acaba a citação original).
Como podemos ver, embora seja predominante, o espírito colonialista, neoliberal ou neofascista, não é o único que existe na Europa. Aliás, ainda fica por ver se, qualquer que seja a moção aprovada, a Itália consegue um quórum razoável, digamos, um 30%.
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