Os mais recentes acontecimentos no Rio mostram que o crime não é propriamente organizado. O que há na verdade são bandos de pessoas levadas à delinquência exatamente pelo fato de o Estado não lhes proporcionar opções. A barbárie então impera.
E o Rio de Janeiro volta a enfrentar uma onda de violência. As forças policiais ocupando favelas e entrando para arrebentar, acirrando a criminalização das áreas pobres. Se as ações dessa natureza dessem resultado, a violência urbana já teria acabado há muito tempo. Desta vez, no entanto, as autoridades garantem que vieram para ficar nos locais que entraram. Em 2008 no início de uma ocupação disseram a mesma coisa. Vamos ver. Como vem aí a Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016, possivelmente a etapa mudou.
Só que o “ficar“ das autoridades tem se resumido em ocupação militar e ainda por cima acham que resolveram os problemas. E a mídia de mercado entra no jogo sem questionar nada. Os telejornais falam em “dia histórico de vitória” o dia da ocupação da Vila Cruzeiro. Promovem heróis e incutem na opinião pública que o Rio virou uma outra cidade. No complexo do Alemão, onde vivem 400 mil brasileiros, ocorreu a mesma coisa. Vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
O governador do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, diz que os recentes acontecimentos em vários pontos da capital são sinais de desespero dos bandidos, porque a sua política de combate ao tráfico está produzindo resultados. Esse argumento já foi dito em outras ocasiões e também por outros governadores. Claro que o desejo é que os moradores das áreas pobres da cidade, sobretudo o Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro, possam viver em condições dignas e com o direito de ir e vir normalmente.
Tem também fatos meio estranhos, como, por exemplo, o próprio Secretário de Segurança dizer em alto e bom som que o Comando Vermelho é radical, mas os Amigos dos Amigos cuidam apenas dos negócios. Nestes dois anos, a maioria das favelas eram ocupadas pelo Comando Vermelho. A cobertura dos acontecimentos lembra um pouco a invasão e ocupação do Iraque, ou seja, como se tudo que acontecia fosse quase um piqueninque. Só que com o passar do tempo o piquenique terminou. Espera-se que aqui a história seja outra.
Na verdade, antes mesmo dos atuais acontecimentos as autoridades do Estado e do Município estavam preparando terreno em outras favelas que estão no caminho da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Ou seja, a dupla Cabral e Eduardo Paes, já chamado nas áreas pobres da cidade de Eduardo Guerra, faz e acontece com o total apoio da mídia de mercado. As autoridades pouco se importam com os moradores das áreas pobres e valorizáveis.
E nas atuais operações militares tome de caveirões, balas perdidas etc. Mas hospitais, ensino de qualidade e construção de moradias para seres humanos que é bom, nada. O Estado em geral só tem entrado nas favelas através de ocupação militar. Será esta a solução para acabar com as desigualdades sociais, onde se encontram as verdadeiras causas da barbárie carioca?
Em relação as UPPs, na realidade quem conhece o departamento sabe perfeitamente que muitas vezes as aparências enganam. O “território” foi recuperado em algumas favelas da zona Sul do Rio e do bairro da Tijuca. Então vale uma pergunta: o Estado só entra nesses locais militarmente e não faz mais nada? Outra pergunta até agora não respondida: como as armas supermodernas circulam com tanta facilidade entre os marginais pé de chinelo?
Os mais recentes acontecimentos no Rio mostram que o crime não é propriamente organizado. O que há na verdade são bandos de pessoas levadas à delinquência exatamente pelo fato de o Estado não lhes proporcionar opções. A barbárie então impera.
Quanto ao narcotráfico propriamente dito, em outras áreas da cidade, não pobres, muito pelo contrário, como em condomínios de luxo, o barato está deitando e rolando, mas aí são “territórios nobres”, nada de polícia. O tráfico corre solto e não tem nenhum pé de chinelo, porque os traficantes no caso integram famílias abastadas que só pensam naquilo, ou seja, o lucro fácil, inclusive de forma ilícita. De vez em quando um é pego, mas depois o tema é esquecido.
Aproveitando o embalo de os meios de comunicação estarem voltados para os acontecimentos no Rio, inclusive promovendo shows midiáticos, a Secretária de Educação, Claudia Costin, uma ex-colaboradora do governo FHC, confirmou a desativação dos Cieps no Sambódromo, que lá funcionam há 26 anos. Com isso, cerca de 700 crianças que vivem em sua maioria no morro do Estácio e imediações vão ser transferidas para escolas da rede que não funcionam em tempo integral. Claudia Costin alega que o espaço não é apropriado para atividades escolares.
É totalmente infundado o argumento da secretária, até porque quando Darcy Ribeiro e Leonel Brizola criaram o sambódromo, convocando o arquiteto Oscar Niemeyer, o destaque dado foi exatamente para o fato de parte das dependências servirem ao longo do ano de salas de aula para as crianças das redondezas. Darcy e Brizola devem estar se virando no túmulo.
Por trás dessa decisão da Prefeitura do Rio pode estar o interesse de poderosas empresas da área de entretenimento de ocuparem o local tendo em vista a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Para Paes é muito mais importante aproveitar espaços como o do sambódromo para outros fins que não o favorecimento a crianças pobres. Mas o tema não é de interesse da mídia de mercado. A Prefeitura visivelmente joga em favor do lado do poder econômico.
*Mário Augusto Jakobskind é jornalista, mora no Rio de Janeiro e é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de S. Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, dentre outros livros, de “América que não está na mídia” e “Dossiê Tim Lopes – Fantástico / Ibope”. É colunista do site “Direto da Redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
=> Artigo publicado originalmente no site "Direto da Redação".
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