Pescadores pegam 15 toneladas de sardinha em Florianópolis (Foto: Susi Padilha/Diário Catarinense/Ag. RBS) |
Já se provou que um operário tem tudo para ser um presidente que dignifique o país e um dia será a vez de um pescador, de olho na bússola e firmeza no leme, nos defender das ganâncias dos bucaneiros que ainda existem em toda e qualquer parte. E como existem!
O Ministro da Pesca disse que ele não existe e todo mundo acreditou. Nem a moça que diz defender e representar os interesses de sua classe, apareceu para pedir opinião sobre o fim da atividade na região. Nem opinião nem voto. E olha que era época de eleição!
O empresário deitou falação sobre golfinhos dizendo que os levará para outra parte, que cuidará dos cetáceos, que ninguém precisa se preocupar com o “bicho” (conforme a esses animais se refere o “especialista” contratado pela empresa). Mas sobre ele, o Pescador, não disse uma palavra.
É como se não existisse mesmo. Pelo menos não tanto quanto os golfinhos que ao menos têm quem se preocupe com eles. E todo mundo acredita que golfinhos existam, apesar de só porem o dorso fora d’água e já afundam rapidinho!
Os técnicos e cientistas fazem cara feia pro empresário e falam em área de preservação, em reserva ambiental, em espécies ameaçadas. Mas dele ninguém fala nada. E é das espécies mais antigas daqui dessas bandas!
Muita gente aí, cheia das existências, chegou bem depois dele que tá aqui desde quase a época dos índios. Há quem diga até que, pelo lado de um antepassado, ele é meio índio.
Será que índio existe? Ou é só história dos antigos que acreditavam em tudo o que não existe? Vai ver ele deixou de existir de tão antigo que é!
O Ministro é moderno! Não vai ser tolo de acreditar em assombração!
Será que ele é assombração?
Se é assombração, pelo menos é uma assombração que se alimenta e se os técnicos e cientistas não falam dele, ainda assim estão defendendo a reprodução dos peixes. Enquanto existir peixe poderá manter a inexistência de toda a família.
E quando também não existir mais peixe e frutos do mar, o que é que ele vai fazer?
Varrer chão de estaleiro? Trabalhar de graxeiro de guindaste, motor de navio cargueiro, máquina de plataforma de petróleo?
A filha vai servir café, a mulher vai lavar macacão de operário, o filho será moleque de mandados e um dia, um dia quem sabe, poderão ir ao mercado comprar um peixe pro almoço de domingo. Vai ser peixe chique, importado!
Desses que o Estudo de Impacto Ambiental do empresário bilionário diz existir aqui. Diz que existe, mas ele mesmo nunca viu. Não viu nem pescou porque é peixe de água doce que só existe no Estudo de Impacto Ambiental do bilionário. Pra quem não é bilionário, é peixe que existe em rio.
Vai ver que o Ministro não acredita em sua existência porque é do interior. Pode ser que nem conheça a capital e nunca viu o mar. É Ministro só de pesca de peixe de rio, peixe de Estudo de Impacto Ambiental.
Pescador de rio pesca de barranco e não sabe o que é ter de buscar a rede com tempestade ameaçando lá no fundo, por trás do morro do continente ou do outro lado da Ilha. Pescador de barranco não faz ideia do que é o vento rebojo rodopiando um barco no meio do canal, com medo de ser jogado na costeira. No barranco do rio não tem a correnteza gelada e cortante que sobe da Antártica arrastando as lanternas de ostras e os cachos de mexilhão que se tem de buscar no frio da madrugada.
Quem é do barranco, o que sabe do camarão ou da tainha? Tudo isso é lenda, mitologia. Conversa de pescador!
Será que ele é uma mentira?
Mas e o peixe do turista no hotel? A ostra no restaurante? O camarão do bar à beira da praia? É o quê?
O que ele pesca não tem em rio de Ministro nem em Estudo de Impacto Ambiental de bilionário, mas se ele realmente não existisse quem ia trazer esse peixe, pescar esse camarão, cultivar essa ostra e esse mexilhão?
Quem vai dar emprego ao garçom? Ao cozinheiro? À ajudante da cozinha?
O estaleiro também? Ou só o que existe, o que vai existir, será o estaleiro com seus 4 mil empregados trazidos de fora pra fazer o que ninguém aqui nunca fez nem tem ideia de como é?
Vão todos deixar de existir ou o estaleiro vai dar emprego para as camareiras, as moças das lavanderias de hotel? Os estafetas, gerentes, ascensoristas, aquele pessoal que arruma ocupação para hóspedes que não sabem que o pescador tem muito mais a divertir, a contar, a ensinar?
Músicos! Haverá quem considere romântico uma serenata ao luar se espelhando em nódoas de óleo ou verniz, químicas e venenos? Com torres de ferro e aço ao fundo?
Ou quem sabe a malevolente pachorra de um petroleiro inspire um nova dupla de Menescal/Boscoli ilhéus: “Dia de sol, festa de luz/e o cargueiro a fumegar, no oleado cinza do mar”.
O que será de sua cidade? Existirá a cidade? Se ele não existe, como pode existir a cidade? Toda a região de seis ou sete municípios? Até o Lúcio Costa, apesar de ter criado uma cidade do futuro, sabia que cidade nenhuma é apenas uma arrumação de prédios, avenidas, viadutos e interesses políticos e econômicos. Toda a humanidade sabe que uma cidade é seu povo, sua gente.
Roma é os romanos. A luz de Paris são as pessoas dos cafés, dos cabarés. Não existe Salvador sem os baianos. Não existe Rio de Janeiro sem os cariocas.
O que será de sua cidade se ele não mais existe? É ele a música da cidade, o motivo do desenho do pintor. É por ele que a rendeira trança os bilros, o artesão escalavra a madeira, o mercador merca e o Mercado se faz festa a cada dia da semana. Só por ele é que se faz passeios, se dança, se brinca no boi de mamão, na dança de fita. É para ele o canto da ratoeira, o chiste, a fala, o dito, a graça e a piada.
Tudo aqui é ele e sem a sua existência será um lugar qualquer, sem cultura e sem história. Um lugar que será feio, sujo, fétido, sem amor e sem humor.
Mas quem haverá de ouvir essa verdade se na verdade do Ministro ele não existe? Não existe tanto quanto não existem, no Estudo de Impacto Ambiental do empresário bilionário, os peixes que pesca há tantos anos. E pescou seu pai e seu avô, e o avô do avô de seu pai.
O peso dessa ancestral inexistência recai em suas costas e, na tristeza do inexistir, o pescador se põe a olhar distraidamente à Ilha do outro lado do canal. O canal que é estreito e dá para divisar a fimbria da praia na outra margem.
Há um vulto na praia em frente. Talvez também acocorado sobre uma ponta de pedra. Um vulto cismático como o dele. E parece que está olhando à sua praia. Parece que está olhando para ele.
Reparando bem, há ali um barco. E se for do vulto aquele barco...
A silhueta distante se ergue. Se faz ereta, caminha ao barco e recolhe a poita. Mais um inexistente como ele!
Reconhecer aquele igual é uma última esperança na própria existência. Sente como um descobrir-se e, no estímulo da repentina sensação, acena. O vulto responde e aponta uma direção. Ele compreende: é preciso adentrar o canal em direção sul, ao centro da Ilha.
Seguindo para a sua embarcação, o pescador vê muitos de outros barcos zarpando de vários pontos da orla da outra margem. Ao subir para adentrar em seu barco, reconhece outros mais partindo das praias da margem de seu lado. Já se afastando da costa, percebe mais outros barcos adiante. Olha atrás de cada margem e vê que são muitos, todos seguindo à mesma direção sul, ao centro da Ilha. Mais e mais barcos com seus motores de popa martelando, ecoando no meio do silêncio do canal marítimo trincado de azul e sol.
De suas proas os pescadores se acenam e há naquele aceno uma multiplicação. Uma multiplicação impossível de ser imaginada pelo bilionário que para ser o homem mais rico do mundo, faz do X a divisão solerte da solidão. Mas o pescador já não se dividi entre existir ou não existir como quer o Ministro. O pescador se confirma em cada um daqueles pequenos barcos, em todos seus companheiros. E é nos companheiros, nos trabalhadores como ele, nos seus iguais, que o pescador redescobre a existência negada.
O tóc tóc do motor em seu ouvidos tem um sentido que se repete nos motores de cada barco: o ao lado, o mais atrás, o que vai à frente, o que vem lá de longe. Naquela batida cartesianamente repetitiva, em seus ouvidos insiste uma verdade: “Eu existo. Eu existo. Eu existo.”
E a existência do pescador se tornou tão concreta e real que a Polícia Naval, apesar de nunca o ter enxergado em sua ínfima condição de senhor do imenso, desta vez reconheceu-lhe. Se não propriamente a existência, por uma inusitada insolência.
Mas no caso do Ministro ainda duvidar dessa existência, não confiando nem nos registros de atuação da polícia da Marinha, aí abaixo está Nossa Excelência, o Pescador, entrevistado pelo Portal PortoGente para que ninguém nunca mais duvide de que existe, sim, atividade pesqueira no canal da Ilha de Santa Catarina. A existência desse e de outros pescadores é uma demonstração clara de que o governo do Partido dos Trabalhadores terá de considerar a promoção de 20 mil desempregos reais e existentes, para ponderar a possibilidade dos 4 mil prometidos, e ainda hipotéticos.
E a existência desses pescadores tão negados quanto já foram os direitos de todos os trabalhadores desse país, inclusive daquele que nos resgatou da situação de progressivo e alarmante desemprego, me dá grande esperança de que um dia tenhamos um pescador como Presidente do Brasil.
Já se provou que um operário tem tudo para ser um presidente que dignifique o país e um dia será a vez de um pescador, de olho na bússola e firmeza no leme, nos defender das ganâncias dos bucaneiros que ainda existem em toda e qualquer parte. E como existem!
*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis (SC), onde mantém a pousada “Pouso da Poesia“. É colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
Segue a entrevista citada:
Pescador de Santa Catarina pede fiscalização igual para todos Texto atualizado em 09 de Novembro de 2010 - 01h46 |
PortoGente conversou com o pescador Wagner Vitorino, um dos jovens pescadores da Baía de São Miguel, em Biguaçu (Santa Catarina), que tem orgulho da sua profissão. Sua comunidade é localizada na área onde Eike Batista quer construir o estaleiro da OSX. Ele participou da “barqueata” no último sábado (6) e conta como foi a apreensão do barco do seu irmão, Eliton Vitorino. “Voltamos pra casa soltando foguetes, porque jamais vamos nos esconder. Entramos nessa luta e vamos até o final”. PortoGente - Quantos barcos foram apreendidos? Vitorino - Foi só um barco apreendido, mas no mesmo dia já fomos lá na Marinha e foi liberado. Agora estamos esperando se vai vir a multa. PortoGente - Qual foi o motivo da apreensão? Vitorino - O motivo foi porque estava sem alguns equipamentos e como o barco tinha acabado de ser reformado ainda estava sem o nome. Eles alegaram isso, mas nunca fazem essa vistoria toda. PortoGente - Qual a opinião de vocês sobre a apreensão? Vitorino - Ficamos indignados porque moramos no meio de duas marinas e o que se vê de irregularidades... Essas pessoas saem de lancha cheias de vodka, todos os tipos de bebidas, fazendo palhaçadas com as lanchas podendo causar até um acidente. Todos sabem que ninguém navega melhor que um pescador em nosso mar e muito menos conhece como nós conhecemos. Então se for para fiscalizar, que seja igual pra todos. |
Um comentário:
Parabéns... bela crônica!!
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