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domingo, 26 de setembro de 2010

Cultura de senzala

Cultura de senzala

- à Zumbi dos Palmares -

Se repetem sempre
e há tanto,
que de tão surdos
o absurdo se fez óbvio.

E de tão óbvio
o lamento se fez covardia,
no estupro do dia a dia.

Índios, negros,
cafuzos, mulatos,
caboclos e mamelucos
se  esquecem do látego
em compungidas histórias
de feitores,
sobre suspiros de sinhazinha.

Negras outras,
índias e brancas loucas
se davam a quilombos
sem ética e compostura
pretendendo a propositura
de liberdade e futuro.
 

Por Raul Longo (*)


Se repetem sempre
e há tanto,
que de tão surdos
o absurdo se fez óbvio.

E de tão óbvio
o lamento se fez covardia,
no estupro do dia a dia.

Até que se fez abolição!

Índios e negros,
cafuzos, mulatos,
caboclos e mamelucos
continuaram se esquecendo do látego
em compungidas histórias
de clérigos e vigários,
sobre suspiros de sinhazinha.


        - x -

Se repetem sempre
e há tanto,
que de tão surdos
o absurdo se fez óbvio

E de tão óbvio
o lamento se fez covardia,
no estupro do dia a dia.

Até que se fez revolução!

Mas não foi de
negras outras,
índias e brancas loucas
se dando a quilombos
sem ética e compostura,
pretendendo a propositura
de liberdade e futuro.

Índios e negros,
cafuzos, mulatos,
caboclos e mamelucos
continuaram esquecendo o látego
em compungidas histórias
de radiotransmissores,
sobre suspiros de sinhazinhas.

         - x -

Se repetem sempre
e há tanto,
que de tão surdos
o absurdo se fez óbvio

E de tão óbvio
o lamento se fez covardia,
no estupro do dia a dia.

Até que se fez um golpe!

Militares e ditadura.
No látego dos feitores
tanto foram as dores
tamanho foi o medo
que até negras outras,
índias e brancas loucas
silenciaram quilombos
na imposição de éticas e composturas.

Mas então acalentaram meninos brancos
de olhos injetados
esverdeando esperanças
por outros dias de amanhãs
com liberdade e futuro.

Índios e negros,
cafuzos, mulatos,
caboclos e mamelucos,
continuaram esquecendo
torturas e masmorras
em compungidas histórias
de televisores,
sobre suspiros de sinhazinha.

          - x –

Se repetem sempre
e há tanto,
que de tão surdos
o absurdo se fez óbvio

E de tão óbvio
o lamento se fez covardia,
no estupro do dia a dia.

Até que se fez mobilização!

Índios e negros,
cafuzos, mulatos,
caboclos e mamelucos
quiseram solução
sem látego.

Saíram às ruas
pelas Diretas Já.

Mas, no vício de
compungidas histórias
sobre os suspiros de sinhazinha
traíram as próprias conquistas
e aceitaram prorrogação
para o poder de decisão.

Depois acreditaram em mentirinha
de jornal e revista,
inventando caçador de marajá.

           - x –

Pois o látego
se repetiu tanto e sempre,
sempre e tanto,
tanto,
sempre...

que, por fim,
o óbvio foi se fazendo absurdo.

Na Casa Grande
suspirou sinhazinha,
mas índios e negros,
cafuzos e mulatos,
caboclos e mamelucos,
cansados de tamanha empáfia,
com o saco cheio de tanta
bazófia,
enfim,
não mais acreditaram em suspiros
e manhas de sinhá.

E o povo deixou
de ser surdo,
se revoltando contra a covardia,
do estupro do dia a dia.

Doidos e histéricos
berraram os feitores,
blasfemaram clérigos e vigários,
gritaram radiotransmissores
e por televisores,
páginas de jornais e revistas,
se previu crise e apocalipse.

Sem qualquer compostura
esquecida da ética,
errática sinhazinha
revolve escombros
da Casa Grande
em busca do dia a dia
de tantos óbvios
a falsificarem absurdos.

Pobre sinhazinha,
de incerto amanhã,
se buscando na surdes
da própria hipocrisia.
Pobre sinhazinha
já velha anciã,
tendo de esconder o que fez
e acreditar no que mentia.

Pois,
vindo das entranhas de negras outras,
de índias e brancas loucas,
se pariu a voz dos quilombos.

Nova história se anuncia
sem mucama e sinhazinha.
Nova história se escreve,
onde a liberdade não estará
sozinha.

É a liberdade da
mão que constrói
sem o látego que destrói
qualquer futuro e esperança
no adulto ou na criança.

Propositura diferente daquela
das promessas de sinhazinhas,
para que negros e mamelucos,
índios e mulatos
caboclos e cafuzos
se mintam acreditando
que senzala seja óbvio.

Não mais negros, brancos e índios
confusos!
Não mais todo um povo surdo
ao sempre absurdo!

Chega da cultura de senzala!
Em cada casa, em todos os lares,
que se institua um Palmares!

Negros, índios,
caboclos, cafuzos,
mulatos e mamelucos!
Brancos malucos!
Todos libertos da escravidão à mídia,
que nos ensurdece à própria ignomínia!

*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis (SC), onde mantém a pousada “Pouso da Poesia“. É colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.

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