Um jogo regado a muito champanhe – fajuto – daqueles para fazer vista... E uma boa dose de microfones e bloquinhos comprados a 1,99 (porque senão quebra a empresa) e vendidos a preço de ouro.
O mesmo jogo para o qual não interessa um presidente como o nosso. Bem que muitos deles queriam ser ele – o admiram – mas, afinal, precisam garantir o sustento. Emprego fixo está difícil, ainda mais para jornalista.
Por Ana Helena Tavares (*)
A duas semanas do dia em que o Brasil depositará em urnas eletrônicas o seu futuro, acordo e abro os jornais... Aqueles, ditos “grandes”. Aqueles, cujas famílias que os dominam se acham maiores, bem maiores, do que o Brasil.
O enredo é exaustivamente monotemático:
Manchete da Folha: “Filho de Erenice ‘nomeou’ amigos para pasta de Dilma”. Estadão: “Comissão de ética só agora pune Erenice por esconder parentes”. O Globo: “Só agora governo vai punir Erenice por não revelar bens”.
“My God! Who is Erenice?”, poderá exclamar um inglês ao ler isso tudo, depois de chegar da França e ler uma revista inteira, editada pelo “Le Monde”, com o título: “Brasil, um gigante que se impõe”.
Será preciso gastar com ele muita saliva pra que entenda que Frias, Marinhos, Mesquitas (e, claro, Civitas) formam uma S.A., da qual foram banidos os Carta e todos aqueles que possam desafinar o ritmo da banda. Será preciso mais saliva ainda pra explicar a ele que o brasileiro pobre, que lê manchetes nas bancas de jornal e não tem acesso à internet, está privado de saber o que é jornalismo. Profissão que escolhi (se é que ainda pode ser chamado assim).
Respiro fundo e desdobro as folhas tamanho standart. Nunca foi tão bem aplicada a expressão: “Tamanho não é documento”. Documentação, provas, isso é coisa que não interessa. O Estadão traz sete páginas sobre eleições, O Globo traz número semelhante. A Folha, mais extravagante, traz um caderno específico com doze. Em quase todas é citado, de alguma forma, o nome Erenice. Haja fama!
“E o contraditório? E a discussão de projetos políticos? E os direitos humanos?”, perguntará aquele estrangeiro. Aí não haverá como eu o explicar nada, me restará colocar a mão no ombro dele e chorar...
É sábado e não seria recomendável que eu tivesse feito isso logo de manhã, sabendo que o meu fim de semana não merecia tal início. Mas me lembrei de um texto que escrevi há cerca de um ano e meio, cuja extrema atualidade, ainda que não me surpreenda, entristece-me. Na esperança de que, um dia, meus filhos possam lê-lo e pensar – “Que coisa ultrapassada!” – reproduzo-o abaixo, sem alterar uma vírgula.
Para derrubar o presidente que eu nunca quis ser
Por Ana Helena Tavares, em 10 de Março de 2009,
para o "Observatório da Imprensa"
para o "Observatório da Imprensa"
Acordo e abro os jornais ainda a meio olho. De repente, o céu se queda escuro sobre meu único olho aberto e me dá uma vontade incontrolável de voltar ao travesseiro em busca de uma época mais minha.
Quero ser Hélio Fernandes para me libertar pelas grades e não me prender a cifrões. Quero ser Ben Bradlee para proteger rascunhos num bloquinho e ajudar a derrubar o presidente que eu nunca quis ser. Quero ser Robert Fisk para guerrear pela paz tendo como arma o microfone. Quero ser Fausto Wolff, Barbosa Lima, tanta gente, mas, antes, preciso me construir...
Abro o outro olho, pego novamente o jornal e, como que de longe, pareço ouvir citarem Millôr: "Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados." Adoram isso, como é cômodo… Logo depois cospem ao mundo previsões catastróficas achando que isso é oferecer algo de útil para a construção da sociedade. Por que não fazer antes uma oposição a si mesmo? Qual a bandeira de quem faz sempre oposição a tudo? Podem dizer: jornalista não tem que ter bandeira... É lindo isso, mas ele tem, ainda que não deva hasteá-la no terraço do seu prédio.
O trágico vende
Com os olhos ainda relutantes, o que vejo? O cifrão é o guru que liberta. A expressão "atrás das grades" virou chacota. O prender e o soltar se tornam, de forma cada vez mais visível, lados do ioiô que serve ao sórdido jogo político.
Um jogo regado a muito champanhe – fajuto – daqueles para fazer vista... E uma boa dose de microfones e bloquinhos comprados a 1,99 (porque senão quebra a empresa) e vendidos a preço de ouro.
O mesmo jogo para o qual não interessa um presidente como o nosso. Bem que muitos deles queriam ser ele – o admiram – mas, afinal, precisam garantir o sustento. Emprego fixo está difícil, ainda mais para jornalista.
Quem sabe na cobertura de guerra? Mas antes é preciso ver qual lado dá mais... Ou seria qual lado vai explodir primeiro? Que tipo de torcida midiática é essa que em busca de inflar os próprios egos não vê a hora de um verdadeiro apocalipse para dizer: "Nós avisamos!"?
É triste, mas a lei é da oferta e procura. Se o trágico é tão oferecido é porque vende. E muito. Em toda a história da humanidade, uma casa em ruínas sempre parou mais olhares do que um campo de girassóis.
A mania de seguir os instintos
O problema todo está em como se oferece o trágico. Para uma cobertura jornalística bem-intencionada, pode ter havido, digamos, uma explosão no botijão de gás da casa e os proprietários, gente humilde, já estão se reestruturando na casa de parentes. Para outro jornalista, pode ter havido um curto circuito na rede elétrica e os proprietários, gente humilde, estão desabrigados sem a devida assistência do governo.
Não é difícil um suicídio se tornar assassinato nas mãos de um editor. Como é fácil jogar números soltos pelas colunas de economia e dizer que aquilo aponta o fim do mundo. Que fim? De que mundo?
São tantas as perguntas que me vêm à mente, mais do que perguntas, inquietações. Por que Ben Bradlee seria demitido da Folha? Podem-se imaginar várias razões, mas a maior delas seria, sem dúvida, a feia mania de seguir seus instintos... Para que jornalista vai ter vontades se o mercado já as tem?
Notícias podem ser boas
E Robert Fisk, por que não conseguiria trabalhar para a Globo em coberturas de guerra? Talvez porque um belo dia ele fosse preferir não voltar para a redação...
E Hélio Fernandes, por que não seria preso caso escrevesse algum artigo subversivo? Ah, estamos num país democrático... Diz-se de tudo e ouve-se de tudo.
Só falta se lembrarem de fazer oposição a um velho ditado. Notícias também podem ser boas.
P.S.: Inquietação final: por que este texto dificilmente seria publicado na grande imprensa? Porque, além de ser um tanto desconfortável, não dá lucro fazer oposição a si mesmo...
*Ana Helena Tavares é jornalista por paixão, escritora e poeta eternamente aprendiz. Editora-chefe do blog "Quem tem medo do Lula?".
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