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terça-feira, 3 de agosto de 2010

A propriedade privada - Morte por apedrejamento


A propriedade privada - Morte por apedrejamento

Por Laerte Braga (*)

O sargento norte-americano Mike Kellems, da Polícia de Indiana, EUA, recebeu um comunicado em sua delegacia ou distrito, que o foragido Robert Aubin estava na Feira de La Porte. Fora reconhecido por John Boyd, um policial de folga.



Kellems dirigiu-se ao local da Feira para efetuar a prisão e só conseguiu seu intento depois de pagar cinco dólares, preço do ingresso para entrada na Feira. A alegação do caixa é que o evento era propriedade privada, fora do alcance da Polícia sem o pagamento do valor cobrado a qualquer visitante.



O fato ocorreu no dia 23 de julho e a decisão de exigir o pagamento do ingresso ao sargento foi de um dos funcionários da empresa de segurança privada encarregada de zelar pela ordem durante a Feira.



Ramin Mehmanparast, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã disse na segunda-feira, dia 2 de agosto, que o presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva fez a proposta de dar asilo à iraniana Sakineh Mahammadi Ashtiani, condenada a morte por apedrejamento por “crime” de adultério. Lula, segundo o porta-voz tem “uma personalidade emotiva e por ser muito humano”.



Segundo o porta-voz, Lula desconhece outros crimes praticados pela mulher. O pedido de Lula foi considerado uma “interferência nos negócios internos do Irã”. A campanha internacional em defesa de Ashtiani acabou por suspender a execução por apedrejamento, mas mantém a pena de morte. Com 43 anos de idade ela pode ser enforcada ou morta por outro meio qualquer utilizado para os condenados a morte naquele país.



Ashtiani cometeu o crime de ter relações sexuais, que o governo do Irã considera ilícita, com dois homens e está presa desde 2006. Registre que a acusada é viúva.



O bloqueio imposto por Israel à Faixa de Gaza mata palestinos todos os dias, seja pela falta de alimentos, de atendimento médico a doentes, ou pela barbárie costumeira dos militares israelenses. Centenas de mulheres palestinas são estupradas por sionistas.



A queda do muro de Berlim não significou, como se disse à época, o fim do tempo dos muros segregacionistas, ou limitadores de liberdade. Dois muros mantêm mexicanos distantes dos EUA e palestinos longe de suas terras ocupadas por Israel.



Os documentos secretos da guerra do Afeganistão liberados por um site mostram o caráter brutal, de saque e de interesses econômicos dos EUA e revelam o outro lado da invasão e ocupação. Primeiro uma guerra onde a vitória é impossível, segundo os “mercados” paralelos desenvolvidos em torno do conflito, tráfico de drogas e mulheres por militares norte-americanos. O preço de uma virgem para um soldado dos EUA anda em torno de 20 dólares.



A decisão de aceitar a tortura de prisioneiros como fato corriqueiro, os assassinatos seletivos, o espírito boçal dos norte-americanos ao comemorar a morte de civis iraquianos – guerra do Iraque – a prática constante de estupros contra mulheres afegãs, como aconteceu no Iraque, toda a sorte de crimes contra o ser humano, no que Hans Blinx chamou de embriaguez pelo poder militar.



Cobrar ingressos de um policial para entrar numa feira e prender um foragido da justiça é um fato menor diante de toda essa barbárie. Mas é revelador da natureza perversa da sociedade norte-americana, do culto à propriedade privada.



Segundo Millôr Fernandes, “o primeiro humano a cercar a sombra inventou a propriedade privada”.



Condenar uma mulher por “adultério” a ser apedrejada e em seguida suspender a pena para transformá-la em enforcamento ou qualquer outra forma estúpida de matar, é o resultado de um fundamentalismo religioso equivocado e criminoso que não tem nada a ver com o Islã, como não tem nada a ver com Bíblia as práticas fanáticas de seitas neopentecostais no Brasil e em vários países do mundo. Ou as lições históricas do judaísmo e o sionismo fascista do governo de Israel.



São características da barbárie que vai transformando o mundo num palco de violência e estupidez em todos os cantos.



Seja no sargento que pagou para prender um criminoso, ou no latifundiário brasileiro que contrata pistoleiros para matar camponeses submetidos a trabalho escravo. Tanto faz que seja a guerra do Afeganistão ou do Iraque, o cerco a Gaza.



É o mundo capitalista, da chamada nova ordem econômica, da realidade neoliberal.



Uma Europa que venceu o nazismo e perdeu para os EUA (A Europa é um continente em sua quase totalidade cercado de bases militares norte-americanas e em passo acelerado para a falência total), mas que não muda a bandeira, a suástica está implícita nas estrelas dos estados federados.



Ou a América Latina debaixo da ameaça de golpes e bases militares, sob o mesmo tacão, na tentativa de fazê-la de novo América Latrina. A Ásia e o Paquistão com seus generais assentados em bombas nucleares e transformando-as em dólares, bilhões, capazes de eliminar a fome no continente africano. A China transformando-se em segunda economia do mundo, bilhões em fome e trabalho escravo.



Prender um foragido, executar um ser humano por adultério, espocar em gritos de alegria por matar inimigos que chamam de bastardos, construir muros para cercar zoológicos de animais humanos. Tudo isso é conseqüência de uma só matriz e não é na natureza humana. Mas, em nossos tempos, o imperialismo montado em arsenais de boçalidade e travestido de barbárie democrática, cristã e ocidental.



Ou vindas do Islã na interpretação fanática e cega que o fundamentalismo proporciona. Qualquer fundamentalismo.



Um templo umbandista em Santa Catarina foi invadido por policiais militares (esses que liberam atropeladores à custa de propina, matam camponeses a mando do latifúndio, crianças em salas de aula) sem razão alguma, mas insuflados pelos interesses políticos de pastores corruptos, vendedores de tijolos para mansões fictícias num céu irreal.



Essa, aliás, tem sido prática constante nos últimos tempos com a ascensão do neopentecostalismo como forma e caminho usado pelo lumpém do capitalismo em sua sanha de fazer triunfar e tremular o fascismo.



Nesse meio tempo, independente de avaliação disso ou daquilo, o presidente do Brasil ganha o rótulo de “emotivo e humano”, por se propor a abrigar a mulher que exerceu o direito de ser dona de si, num mundo que a despeito dos muitos avanços, ainda tem seus quartos escuros e as penumbras sombrias que não diferem em nada do fascismo que combatem em Israel.



“Oh, cansativa condição da humanidade!

Nascida sob uma lei, ligada à outra,

Vaidosamente gerada, e todavia proibida à vaidade,

Criada enferma, obrigada a ser perfeita.



(Fukle Greville, determinando a relação correta entre o mundo da realidade e o mundo temporal humano)



“Como um gorila raivoso

Promove embates tão fantásticos diante do paraíso

Que faz os anjos chorarem”.



(William Shakespeare, refletindo sobre o mesmo que Malraux refletiu séculos depois, A CONDIÇÃO HUMANA).



Esses gorilas matam um por dia, pelo menos, em Honduras, na construção do processo “democrático” e na preservação da “liberdade”.



Têm a bênção do cardeal. Sua Eminência reza a missa matinal, no palácio e cercado de ouro por todos os lados. O Vaticano é só uma empresa. Gere um dos muitos bancos que saqueiam seres humanos nos juros de cada dia.



Que o governo do Irã reflita sobre a importância de sobrepor-se ao atraso, afinal o país vive um processo revolucionário e principalmente, sobre a importância de ser “emotivo” e “humano”.



A liberdade e a justiça não podem custar cinco dólares. E muito menos apedrejamentos.



*Laerte Braga é jornalista. Nascido em Juiz de Fora, onde mora até hoje, trabalhou no “Estado de Minas” e no “Diário Mercantil”. É colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?

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