Berna (Suiça) - Era junho 2006 e recebi um e-mail do Eliakim, que não conhecia, só de ter visto na tevê Manchete quando ia ao Brasil, me convidando para integrar o grupo de jornalistas do Direto da Redação.
Até hoje não sei como lhe veio essa idéia, pois vivo numa espécie de periferia das grandes capitais européias e já fazia quatro anos que recebera meu bilhete azul da CBN, certamente, como disse o paraibano, escritor e colega, Carlos Aranha, por ter incomodado o pessoal com minhas provas de processo penal contra o então candidato a governador Paulo Maluf. Coincidentemente, minha entrada na CBN como correspondente tinha o título de Direto da Europa.
Cria do Estadão da Major Quedinho, já não era mais seu correspondente, sabe-se lá porquê, mesmo se o jornal, na minha época, convivia com gente de esquerda e mesmo comunista, pois lá fui contemporâneo de Vladinir Herzog e Miguel Urbano Rodrigues e foi lá que Arrudão me levou à Fulgor, editora do PC, para publicar meu livro A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, explicando sociologicamente o surgimento do ídolo Roberto Carlos, pelo vazio criado no Brasil gerado pela ditadura militar.
Sem CBN e Estadão, sentia que logo seria esquecido pelos ex-leitores e ouvintes. Nossa profissão é tão efêmera quanto os jornais, que envelhecem em um dia, e quanto os boletins de rádio, lançados ao vento. De minha passagem pelo Pasquim, logo no começo de meu exílio, nada restou. Foi com certa surpresa que, numa livraria de São Paulo, constatei não haver nenhum de meus textos, de 69/70, na antologia do Pasquim.
Despedido do Estadão, em 68, depois de ter organizado o Encontro com a Liberdade, com antigos companheiros como Narciso Kalili, David de Moraes, Ivan de Barros Bela, Audálio Dantas, no Teatro Paramount, em São Paulo, tinha ao meu lado na mesa, Mario Martins, pai do atual ministro Franklin (não somos parentes, descendemos todos de portugueses e galegos).
Nada também restou da Última Hora – Rio, de Samuel Wainer, cuja sucursal dirigi, dois anos, na avenida São Luiz, ao lado da sucursal do JB. A UH-Rio, jornal popular de esquerda, que hoje nos faz tanta falta, morreu há décadas e, ironia do destino, seu vizinho em Sâo Paulo, também acaba de morrer.
Ressuscitei para o Estadão, graças ao Luiz Fernando Emediato, em 86, numa viagem que fiz ao Brasil para ficar com meu pai, que pouco vira durante o exílio, já doente, e que morreu à minha frente. De Santos, onde estava, telefonei ao Emediato, e passei a escrever cartas de Genebra, para depois fazer parte da equipe do Caderno 2, cobrir festivais de cinema e de dança, falar de livros e fazer entrevistas. Com a saída do Evaldo Mocarzel, sucessor de Emediato, me foi encerrado esse capítulo.
Como dizia, recebi o convite do colega Eliakim, quando só escrevia para o Expresso, depois de alguns anos no Público, ambos de Lisboa. E estava nas livrarias, com certo sucesso, o livro sobre segredo bancário suíço, as contas do Maluf e minha demissão da CBN – O Dinheiro Sujo da Corrupção, pela Geração Editorial, criada e dirigida pelo Emediato.
Teria sido o livro, a causa do convite ? Não sei, nunca perguntei e nem vou perguntar ao Eliakim. Mas, minha entrada no Direto coincidiu com uma atividade benévola que iria se desenvolver e me levar a assumir uma bandeira antes nunca imaginada – a de dar visibilidade na mídia aos emigrantes, praticamente ignorados no Brasil.
Minhas duas primeiras colunas, em junho e julho 2006, no Direto da Redação foram sobre a injustiça criada pela reforma da Constituição de 88, num parágrafo aprovado pela Constituinte em 1994 – tinham retirado a nacionalidade brasileira nata dos filhos dos brasileiros nascidos no Exterior. Clique aqui
Com isso, cerca de 300 mil crianças filhas de brasileiros se tornariam apátridas em 2012 (cerca 18 a 20 mil por ano) em países como Alemanha, Suíça e Japão, enquanto as nascidas nos EUA perderiam os laços com o Brasil pois seriam só americanas.
Da denúncia na mídia, a campanha pelos brasileirinhos apátridas virou movimento social de cidadania com lideranças em diversos países de emigração e graças ao ex-senador cearense, Lúcio Alcântara, ao ex-deputado Carlito Merss, hoje prefeito de Joinvile, e Rita Camata, ex-deputada e provável futura senadora, surgiu a proposta de emenda constitucional 272/00, vitoriosa e hoje Emenda 54/07, que restituiu à nacionalidade brasileira aos filhos dos nosso emigrantes.
O Direto teve ação de ponta-de-lança nessa fase final da campanha, da qual participaram colegas jornalistas de tendências diversas e de diversos órgãos de imprensa, porque a causa era consensual. De um lado Cláudio Humberto assustava o MRE em suas colunas, por sua vez Caros Amigos denunciava a falha que iria favorecer advogados e despachants. E a vitória dos brasileirinhos acabou por nos levar a outra trincheira – em favor dos pais dos brasileirinhos.
Foi o surgimento do projeto pelo que poderia ser um Estado dos Emigrantes, pois 4 milhões de emigrantes brasileiros dispersos pelo mundo, já constituíam um verdadeiro Estado. Seria preciso, porém, parlamentares emigrantes em Brasília, possibilidade que nos deu o senador Cristovam Buarque, com sua proposta de emenda constitucional criando deputados emigrantes.
O projeto, hoje amadurecido com o formato de uma Secretaria de Estado da Emigração ou dentro de um super-Ministério das Migrações, incluindo migração, imigração e emigração, não é consensual como foi a causa dos Brasileirinhos. Houve um primeiro choque quando se exigiu laicidade do parte do governo, na I Conferência de Emigrantes no Itamaraty, para se evitar o controle religioso sobre a emigração.
A seguir, as associações e grupos formados em torno dos emigrantes, muitas das quais disso vivem, assim como doleiros, despachantes, advogados e recém-chegados em busca de prestígio, rejeitam um órgão institucional emigrante autônomo e independente do Itamaraty. Por sua vez, o MRE, criou uma alternativa híbrida para o órgão institucional e não abre mão da tutela sobre os emigrantes, frustrando os que esperavam, nesse setor do governo Lula, o advento de alguma coisa concreta, como as Secretarias da Mulher, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos.
Em lugar de um Conselho de transição para um órgão institucional, surgiu um conselho consultivo, inútil mas com função de vitrina, destinado a dar assessoria ao Itamaraty em matéria de emigração, e uma Conferência anual de emigrantes, que, por vergonha de usar a palavra emigrantes, o Itamaraty chama pomposamente de Brasileiros no Mundo, destinada a coletar um rosário de reivindicações sem o compromisso de serem atendidas.
Além de sua função de mídia livre, o Direto populariza, assim, para os brasileiros do continente, a questão emigrante, enquanto nem Comunique-se e nem o Observatório da Imprensa encontraram uma fórmula para divulgar o que vai pela mídia emigrante, engatinhando em alguns países mas viva e atuante nos EUA.
Quando aceitei o convite de Eliakim, lá se vão quatro anos, longe estaria de imaginar que o Direto teria tanta influência na transformação do jornalista observador em militante pela causa da emigração. E isso vem a calhar, pois o Direto da Redação, editado em Miami, é também um emigrante.
E a grande vantagem desta tribuna eletrônica é que me sinto livre o suficiente para denunciar, provocar e desferir socos diretos no queixo, sem compromisso religioso ou partidário.
*Rui Martins é jornalista. Foi correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. É autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criador dos "Brasileirinhos Apátridas" e da proposta de um Estado dos Emigrantes. É colunista do site "Direto da Redação" e vive em Berna, na Suíça, de onde colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, e com o blog "Quem tem medo do Lula?"
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