Por Mario Augusto Jakobskind (*)
Venezuela e Colômbia deram os primeiros passos no sentido de um entendimento. Os presidentes Hugo Chávez e Juan Manuel Santos se encontraram e restabeleceram relações diplomáticas entre os seus países. Provavelmente quem não deve ter gostado é o agora ex-Presidente Álvaro Uribe, que ingressou atabalhoadamente no Tribunal Penal Internacional acusando o dirigente venezuelano de permitir o ingresso de integrantes das Farcs em território da Venezuela, o que foi negado inúmeras vezes por Chávez, que já sugeriu ao grupo insurgente deixar as armas e adotar outra estratégia para conseguir tornar a Colômbia num país mais justo socialmente e menos desigual como agora.
E no meio de tudo isso explodia uma bomba nas proximidades de uma rádio de grande audiência e de uma agência de notícias, obrigando o novo presidente a se posicionar de forma dura. Então, vale a pergunta: a quem interessou esse ato? E a quem serviu?
A questão das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia rende e, segundo Chávez, está servindo de pretexto para os Estados Unidos intervirem na Colômbia, inclusive com a instalação de sete bases militares a pretexto de combater o narcotráfico, como é de amplo conhecimento que o motivo é outro. Na verdade, a presença de forças militares estadunidenses na Colômbia é um fator de tensão na região.
Mas não é o que pensa o Presidente do Chile, Sebastián Piñera. Em pronunciamento recente, o milionário que substituiu Michele Bachelet no Palácio La Moneda (sede do governo) defendeu a presença de militares norte-americanos na Colômbia, fazendo eco com os falcões do Pentágono. Na justificativa, o também apoiador da ditadura Pinochet assinalou que se trata de um acordo entre países livres e soberanos e com propósitos nobres.
Piñera pouco a pouco vai mostrando a que veio, o que não chega propriamente a ser uma surpresa. Ele se junta a outros presidentes latino-americanos que seguem a mesma linha de ação conservadora, como, por exemplo, o peruano Alan Garcia.
Mas já que estamos falando de Sebastián Piñera, seu irmão foi condenado a realizar 50 horas de trabalhos comunitários e pagar multa de 11.500 dólares por ter sido preso dirigindo bêbado e provocado ferimentos numa motorista de outro carro.
A história não acaba aí. O hermano fugiu do local do acidente e só 13 horas depois se dignou a fazer o exame de teor alcoólico. E sabem aonde? Numa clínica particular em que um dos maiores acionistas era nada mais nada menos que Sebastián Piñera. E sabem quem dirigia o estabelecimento? Nada mais nada menos que o atual Ministro da Saúde, Jaime Mañalich.
Voltando a Venezuela, mais uma vez, para variar, a mídia de mercado colocou o Presidente Chávez como se ele fosse o bandido do filme de mocinho. Motivo: o governo bolivariano simplesmente avisou que não permitirá o ingresso no país do novo embaixador estadunidense, salvo se ele se retratar de uma declaração . Larry Palmer fez comentários ofensivos a Venezuela ao afirmar, na Comissão de Relações Exteriores do Senado estadunidense, que as Forças Armadas Venezuelanas teriam uma alegada baixa moral “devido a nomeações de caráter político “. E de quebra ainda assegurou que há guerrilheiros das Farc em território venezuelano. Ou seja, o representante vetado fez coro com Uribe e sua presença na Venezuela pode se tornar um foco de provocação contra o governo bolivariano.
Os jornalões e quase todos os canais de televisão preferiram afirmar que o governo Chávez estava “desafiando” os Estados Unidos. Nada de dizer que Palmer estava criando caso com as declarações no Senado. Como não se informou o motivo da não aceitação do indicado pelo governo Obama, leitores e telespectadores foram induzidos a crer que o erro deve ser atribuído a Chávez .
Aí então, a partir da informação truncada, os analistas de plantão vão aproveitar o embalo para criticar o “desafiante” dos Estados Unidos para apresentá-lo como um radical criador de caso.
O exemplo em questão serve para ilustrar o que acontece volta e meia em outras editorias e que no fundo também ajuda a projetar a imagem negativa de muitos personagens que não rezam pela mesma cartilha preferencial do proprietário de veículo de comunicação.
Quando os jornalões, por exemplo, atacam o atual goveno brasileiro na questão da exploração do petróleo e defendem o regime de concessão que favorece as empresas, o mecanismo editorial é semelhante ao utilizado no caso do representante dos Estados Unidos vetado na Venezuela. Ou seja, matérias e editorias mostram que o regime de partilha(*), defendido pelo governo é “danoso”, mas não complementam que o “dano” é só exatamente para a empresa, que deixa de ficar com toda a parcela da exploração do petróleo. E ainda por cima omitem o fato que o regime de partilha é adotado na maioria dos países. O resto é o resto.
(*) Adotado para exploração do pré-sal em que o estado brasileiro determina o quanto eventualmente caberá de lucro à empresa petrolífera, enquanto no regime de concessão, adotado pelo governo o FHC, o lucro total é de quem explora.
*Mário Augusto Jakobskind é jornalista, mora no Rio de Janeiro e é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de S. Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, dentre outros livros, de “América que não está na mídia” e “Dossiê Tim Lopes – Fantástico / Ibope”. É colunista do site “Direto da Redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
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