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A Universidade de Coimbra justificou da seguinte maneira o título de Doutor Honoris Causa ao cidadão Lula da Silva: “a política transporta positividade e com positividade deve ser exercida. Da poesia para o filósofo, do filósofo para o povo. Do povo para o homem do povo: Lula da Silva”

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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ao Robert Crumb, desejo que se afogue na piscina do Tio Patinhas!

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Fernando Soares Campos

Robert Crumb tem lá sua cota de participação na formação do meu Alter-Frankenstein-Ego, talvez seja o pelo aloirado que nasceu na palma de minha mão durante a minha adolescência. Disse eu do pelo aloirado, mas isso não quer dizer que é este o único, pois a palma da minha mão direita é peludamente miscigenada, tem pelos lisos, encaracolados, pixains, ruivos, brancos, negros, orientais e até um fiozinho metálico que deve ser extraterrestre.

Se a responsabilidade por aquele pelo loirinho ter brotado na palma de minha mão pode ser atribuída a Robert Crump, praticamente todos os outros devem ser debitados na conta do mestre Carlos Zéfiro. Mas juro que até mesmo os ilustradores do meu livrinho de catecismo da pré-adolescência, com o qual posei diante do altar para a foto da minha primeira comunhão, têm aqui sua marca registrada, um pelinho branco implantado por uma linda anjinha de boca sensualíssima, que muitas vezes concentrou seus olhinhos azuis na estética do meu umbigo.

* * *

Falar mal de nossa terra natal é uma coisa um tanto delicada. Eu, por mau exemplo, costumo criticar os atuais donos do poder nas terras em que nasci. Refiro-me a gente da mais baixa formação moral, gente que se endinheirou à custa dos cofres públicos e da fome dos mais fracos, ou, pior, dos mais ingênuos, gente de boa fé que sempre acreditou num grupo de canalhas, enganadores que se alternaram no comando das instituições públicas há séculos, grupos criminosamente organizados que dominam os povos das terras das Alagoas onde nasci.

Tenho um filho de 22 anos nascido em Recife, mas que mora aqui no Rio de Janeiro desde os três. Uma criança que teve suas primeiras instruções formais num “brizolinha”, do qual até hoje ele se lembra com saudade. Dia desses eu o ouvi queixando-se de que nós deveríamos ter retornado ao Rio quando a sua mãe estava esperando o dia de pari-lo pra este mundo. Quis ele dizer que gostaria de ser carioca da gema, como a sua irmã mais velha. Mesmo estando ele a falar em tom brincalhão, eu o repreendi. Disse que em minha terra há um ditado popular que determina: “Quem renega aos seus não merece a companhia dos meus”, com o qual concordo. Mas também concordo que aqueles a quem chamamos de “nossos” não são todos os que simplesmente nasceram na mesma terra que a gente nasceu. Até porque em nossa terra existem os que nunca tiveram consideração pela maioria dos seus conterrâneos.

No Nordeste, mais especificamente no Sertão em que nasci, muitos de nós fomos praticamente expulsos por motivos diversos. Em geral, pela esperteza dos acoronelados que se aproveitam de calamitosas razões da natureza para comprar casas e sítios de gente humilde ao preço de uma passagem num pau-de-arara com destino às favelas-senzalas do Centro Sul.

Eu fui literalmente expulso de minha terra, ainda muito jovem, por ter sido considerado indivíduo indisciplinado, o que, para eles, significa ser um sujeito não adaptado às regras feudais impostas por coronéis modernosos à moda antiga e executada pela jagunçada das delegacias de polícia, das igrejas de qualquer credo e mesmo por elementos da justiça institucional, último reduto a me decepcionar quando identifiquei a podridão ali afogando consciências, aquilo que durante a minha infância e adolescência me parecia a última trincheira da moralidade. Trincheira soterrada por punhados de moedas douradas, não necessariamente de ouro, mas douradas. Dói muito andar pelas ruas de minha cidade natal e ouvir o que ouvi recentemente sobre o desempenho dos responsáveis pelas instituição judiciárias.

Em relação a atitudes dos administradores municipais, eu já não me surpreendo há muito tempo, pois os conheço de longa data. Com alguns tenho até laços de parentesco.

Hoje em Santana do Ipanema, cidade alagoana onde nasci e fui criado até a adolescência, o TJ encaminha ao MP inquérito que aponta a prefeita como mandante da morte de radialista.


Cunhada de ex-governador, mulher do presidente do Tribunal de Contas do Estado, Isnaldo Bulhões e mãe do deputado Isnaldo Bulhões Filho (ou Júnior, qualquer coisa que gera o “inho”), pego pela operação Taturana, da Polícia Federal, em 2007, acusado de desviar R$ 13 milhões.

Algumas poucas pessoas ainda se surpreenderam com a notícia; a maior parte da população, não. A surpresa de alguns, na verdade, não passou de um mero espanto diante do que consideram audácia de quem tomou a iniciativa de representar aquela infeliz.

Bom, espero que realmente justiça seja feita.

Porém lá em minha terra funciona o pacto que existe no inconsciente coletivo de quase todos os povos: os da terra podem falar mal (mesmo que às escondidas) dos seus pares e dos ímpares que lhes desprezam ou por eles são desprezados, mas só podem fazer isso enquanto estão em território natal, não aceitam que estranhos cheguem lá e digam que não gostaram do seu povo e de sua terra. Também lhes desagradam aqueles conterrâneos que, estando em terras alheias, falam mal dos de sua origem. E isso, na cabeça deles, vale para desterrados como eu, que eles imaginam tratar-se de filho desnaturado que não tem o menor sentimento de amor por sua terra. Ledo Ivo engano, gente enganada! Eu nunca deixei de amar minha terra, meu povo; nunca reneguei minhas origens, apesar dos motivos que me são próprios; muito pelo contrário, sempre falei de minha terra com entusiasmo e o coração transbordando de saudade (hoje já nem tanto, pois tudo tem limite, até o amor por nossa terra natal).

Em 2008, fui para o olho do furacão, e muitos dos meus amigos ficaram de olhos abertos para melhor enxergar a situação de perigo a que me expus.

Durante seis meses visitei muitas residências, sítios, bares, lojas, igrejas, emissoras de rádio, associação de moradores e os cemitérios (existem dois: o dos razoavelmente bem postos e o da ralé), onde acompanhei os sepultamentos de algumas pessoas assassinadas ou naturalmente mortas por falta de assistência adequada.

Lembro-me do dia em que rolou o boato de que haviam descoberto agentes da Polícia Federal acampanados num recanto da cidade. Foi naquele dia que eu disse cá com meus botões murchos: os panacas daqui ainda não me mataram porque entenderam que sofreriam graves consequências.

* * *

Mas essa lengalenga toda aí em cima tem o objetivo de dizer que não gostei de ler as declarações de Robert Crumb sobre as impressões que ele tem da sua pátria aqui na nossa mátria.

Apesar daqueles princípios ético-culturais de que falei (refiro-me à questão do pacto entre conterrâneos que pretendem que roupa suja seja levada em casa), eu particularmente estou autorizado a falar mal de minha terra em qualquer parte do mundo, pois dela fui literalmente expulso. (Lembra-se, Zecarlos? Você, quando ainda era um simples promotor-adjunto, foi encarregado de me dar a notícia, com o tato dos que sabem ser educados, claro).

Hoje em dia, volto por lá, se não de maneira clandestina, mas sob uma condição parcialmente marginalizada.

Em 2008, decidi ir observar as eleições, das quais um irmão meu pleiteava o cargo de prefeito. Fui rindo pra disfarçar, voltei rindo do que plantei.

Além de perseguido por estradas noite adentro, também aconteceu de uns idiotas me ameaçarem com internação em manicômio: “Ele é doido!”. Claro que essa pecha foi a mim atribuída há muitos anos, com o propósito de se utilizarem, em última instância, de um recurso “lícito” para me tirarem de circulação. Idiotas! Bando de complexados (de ambos extremos).

Mas o que disse mesmo o Robert Crumb, convidado especial da Flip, Festa literária Internacional de Paraty?

Ele falou, com todas as letras, que sente vergonha de ser estadunidense, ao assegurar que seu país se tornou um estado corporativo fascista, "o pior do mundo".

Acontece que Crumb é cartunista, um dos mais famosos do mundo. Um indivíduo que sempre teve oportunidade de criticar as ações de seus governantes e instituições, falando para milhões de pessoas de todo o mundo através de sua arte; isso desde os anos 1950. Nunca o fez, ou eu nunca soube que o tivesse feito. Mas somente agora a gente pôde ouvir esse “desabafo” do estadunidense bom de traço e, a meu ver, chinfrim de idéias. Longe, muito longe, de vir a ser um Henfil.

Crumb diz que, se os Estados Unidos fossem “uma de suas personagens”, a ilustração não teria um aspeto muito agradável, depoimento registrado em reportagem da estatal Agência Brasil. (...) "Teria uma cara feia, porque Estados Unidos tornaram-se um estado corporativo fascista, o pior do mundo. Obama tem boas intenções, mas não acho que possa fazer muito para mudar as coisas por lá, devido a que os poderes e as potências que vêm governando aquele país desde faz tantos anos já são parte daquilo”, foi o que afirmou Robert Crumb.

Deus do Céu! Quer dizer que em mais de 50 anos traçando personagens, o cartunista nunca personificou o seu país, mesmo existindo a consagrada figura do Tio Sam? Ora, mas que cartunista é esse? É esse mesmo que vem aqui criticar seus pares ou fazer mea-culpa? Navegou a vida toda em crítica de costumes, que pode ser aplicada a qualquer dos povos submetidos à ditadura hollywoodiana da cultura de massas. Matriz ou quintal, tanto faz como tanto fez.

Crumb vive na França há cerca de vinte anos. Ele qualificou como museu a exposição de suas ilustrações e indicou que "participar desta festa também é estranho. Ainda me vejo como um cartunista, que é sempre omitido pelo mundo literário, uma pessoa que não deve ser levada a sério".

Tudo bem, Crumb, mas aqui no Brasil as políticas voltadas para a cultura ainda são aquelas que apenas tratam das questões de “mercado cultural”. E você é objeto de atração dos incautos, estimulados apenas para o consumo de uma porcaria qualquer que possa render alguma coisa na bolsa de livros. Eles só pensam em grana, nada mais que isso.

“Perguntei a um escritor brasileiro por que eles queriam minha presença aqui e me disse que era uma questão de negócio, já que as editoras estão vendo as histórias em quadrinhos como algo sério e viável”, referiu Crumb, e acrescentou que apesar disso é difícil encontrar editoras que apostem nos quadrinhos.

E por que aceitou fazer o jogo? Pior, chega aqui e, pra fazer média, fala mal do seu país como se isso fosse novidade pra nós, que há muitos anos não suportamos a deliberada prescindência dos nossos talentos, aqui mesmo em Terra Brasilis, em benefício da cultura kitsch (viu como ainda nos sentimos de certa forma colonizados? Tenho à minha disposição termos como “popularesco”, “brega”, “cafona”, entre outros, mas ainda uso isso aí) que faz a farra dos empresários do setor, dependentes da Matriz.

(O que vem à nossa mente nessas horas é Jackson do Pandeiro em “Chiclete com Banana”.)

Quer dizer, Crumb, que aquele protesto dos tempos de amador, aquela atitude que você tomou, pegando sua mulher, grávida, enchendo um carrinho de bebê com gibis de sua autoria e vendendo tudo numa esquina movimentada, não passou de joguete marqueteiro para vender seus quadrinhos? Não existia ali o espírito de luta pela disseminação da cultura. É isso? Claro que é. Você vendeu gibis e a barriga da sua mulher, com o que havia lá dentro.

Deve ser por isso que se sente bem confortável no auto-exilo.

Bom proveito!

Quanto aos de minha terra, os que acham que sou um desnaturado que relega suas origens, digo apenas: Vão se catar!

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Leia matéria sobre a participação de Robert Crumb na FLIP no blog da redecastorphoto

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy opf Cartoons

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PressAA

Agência Assaz Atroz

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