Outro dia, uma jornalista me telefonou para perguntar o que eu achava das pernas dos jogadores da Seleção. Eu disse-lhe que nunca olhara para as pernas dos jogadores da Seleção; que para mim eles eram como que pequenos deuses da Alegria. Ela se espantou, até andou publicando isso. E então fiquei pensando em quando me dera conta de tal título para os nossos jogadores: fora quando viajara pelo Equador, Colômbia e Venezuela, e vira muito de perto o quão ardentemente as pessoas desses países AMAM fascinadamente os nossos jogadores. Eu viajava por uma América machucada, espoliada, de gente que comia pouco e tinha os dentes estragados - mas que não tinha nenhuma vergonha de mostrá-los em grandes sorrisos, quando falavam dos seus pequenos deuses da Alegria. Estávamos em 1996, e tais pequenos deuses, então, se chamavam Pelé, Zico, Túlio, Marcelinho Carioca, e eles proporcionavam tal alegria às gentes do norte da nossa América do Sul, que não havia outro título a lhes dar, além de pequenos deuses, mesmo, pequenos deuses da mais límpida alegria nas vidas das pessoas cujo viver já é um ato de coragem.
Agora, hoje, estamos a poucas horas de, talvez, nossos pequenos deuses nos darem a grande alegria do Penta, e que não será uma alegria só nossa, brasileira, mas de los otros hermanos que vivem aqui perto no nosso castigado continente. Eu sei como é amar incondicionalmente, e é assim que nuestros vecinos amam os pequenos deuses do nosso futebol. E nós, brasileiros? Há duas ou três tardes atrás saí para caminhar, e passei por aquele complexo que reúne a Fonte Luminosa, o Terminal de Ônibus, dois supermercados, um carrinho de cachorro-quente e muita gente circulando. Numa das calçadas, reúnem-se diversos vendedores de bandeiras e bandeirinhas, e de outras coisas verde-e-amarelas, como cornetas e apitos. Os símbolos da Alegria, ali, têm diversos preços - não perguntei quanto custam as grandes e bem feitas bandeiras de pano - mas uma pequena bandeira de plástico custa vinte centavos. O sofrido povo brasileiro sabe a grandeza que é ser dono dos pequenos deuses, e quer demonstrar sua mais límpida alegria, também. A hora da grande batalha final se aproxima, e se para os corações dos nuestros vecinos ela é importantíssima, só quem, como nós, que tem um peito com um coração brasileiro, sabe aquilatar a intensidade da Alegria que a possibilidade do Penta pode nos trazer. E então fiquei a observar como as pessoas paravam para ver aquelas coisas verde-e-amarelas, aquelas coisas que falam profundamente ao coração nestas horas, e como calculavam mentalmente suas posses financeiras antes de garantir a posse do símbolo da Alegria. Uns mais despreocupados, outros com a testa vincada de preocupação, quase todos acabavam comprando alguma coisinha, pelo menos aquela bandeirinha de plástico de vinte centavos, que talvez significasse dois pãezinhos a menos na mesa das suas crianças, naquela noite. Afinal, para deuses há que se fazer alguma oferta, sejam eles pequenos ou não. Os pequenos deuses hoje se chamam Rivaldo ou Ronaldinho Gaúcho ou outros nomes - na verdade, os nomes não importam muito - o que importa é a IMENSA Alegria que eles podem trazer aos peitos desta nossa gente que deverá continuar sendo massacrada com coisas como a ALCA.
Nossos jogadores são ou não são pequenos deuses da Alegria? E pensar que tem gente que se importa com coisas efêmeras como as pernas deles!
Blumenau, 29 de Junho de 2002
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*Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR. Colabora com a Agência Assaz Atroz e com este "Quem tem medo do Lula?".
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
Agência Assaz Atroz
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