Netanyahu é também kamikase?
Por Rui Martins (*)
Berna (Suiça) - Daniel Cohen Bendit deu a ênfase necessária, num discurso pronunciado no Parlamento Europeu, no lançamento, em maio, da campanha por uma paz durável entre israelenses e palestinos, num abaixo-assinado que circula entre judeus principalmente da Europa.*
Daniel Cohen Bendit, o Daniel Vermelho da revolta estudantil de maio de 68, em Paris, agora Daniel deputado Verde na União Européia, fez uma comparação pertinente – o ódio entre israelenses e palestinos é o equivalente ao que existia entre alemães e franceses e, hoje, disso ninguém mais se lembra.
O abaixo-assinado, chamado de Apêlo à Razão, já tem quase 7 mil assinaturas e viu confirmados seus temores, no episódio da frotilha comandada pelo navio Mavi Marmara, do qual sai reforçado o apêlo de tantos intelectuais judeus para que Israel mude sua política e evite o atual isolamento, numa espécie de suicídio diplomático e político de Netanyahou e do governo israelense.
O apelo condena a política de implantação de novas colônias na Cisjordânia e na parte árabe de Jerusalem, por constituir uma falta moral e política e por constituir uma deslegitimação de Israel como Estado. O documento deplora também a manutenção do bloqueio de Gaza, com o objetivo de obter a libertação do soldado Guilat Shalid, que produz como resultado o refôrço do movimento Hamas e do fundamentalismo islâmico.
Bernard-Henry Levy, filósofo francês judeu, assinou o manifesto e lamenta a política atual de Netanyaou que, pelo jeito, « está pouco ligando para o que pensa o mundo ». É verdade que são assinaturas de judeus de esquerda e Daniel Cohen Bendit afirma não ter feito sua bar mitzva e que sete assinaturas é muito pouco num país onde vive uma enorme comunidade judáica, de um milhão de pessoas, mas serve para mostrar que entre os intelectuais judeus da diáspora européia existe um clima de oposição à política de Netanyahou, qualificada de perigosa para a própria existência de Israel.
Como as relações entre Israel e os palestinos puderam se deteriorar de tal maneira, desde o promissor 13 de setembro de 1993, em Washington, quando Bill Clinton saudava o aperto de mão entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat ? Como aquele « processo de paz » talhou e virou processo de guerra, se naquele dia Arafat reconhecia a existência de Israel e Israel reconhecia a OLP e cedia uma parcela do território ocupado ?
Era justamente o inverso do que ocorre hoje. Com esse acordo, Israel saía do isolamento em que se encontrava, o mesmo isolamento no qual retorna. Mas esse acordo tinha sérios opositores – a direita israelense do Likud, o lobby americano do Aipac, que não queriam negociar nenhuma parcela do território. Eram igualmente contra esse acordo os islamitas palestinos do Hamas, que ia se fortalecendo e se opondo ao Fatha de Arafat, contrário a qualquer negociação com Israel, e o Irã, por questões geopolíticas.
Por mais absurdo que possa parecer, esses inimigos do processo de paz agiram com o mesmo objetivo para torpedeá-lo. Assim, logo a seguir, o Irã qualificou Arafat de traidor e pediu a destruição de Israel. Dizem especialistas que o Irã temia ficar de lado com o surgimento de uma potência palestino-israelense. Mas foi a direita israelense que agiu rapidamente assassinando Rabin, e provocando o sepultamento do acordo de paz palestino-israelense.
Seguem-se os atentados em Israel que provocam a vitória de Netanyahou em 96. Ao contrário de Rabin e Peres, em lugar de acusar os iranianos ele acusa os palestinos e os árabes em geral, é o começo do fim do processo de paz. Seu retorno ao poder é o retorno ao mesmo processo. Obama quer forçar Israel a suspender a implantação de colônias, mas não consegue convencer Netanyahou, que evita ir a Washington, no dia seguinte, ao ataque israelense à frotilha comandada pelo Mavi Marmara.
Alguns europeus vêem na maneira como Israel quis impedir o avanço da flotilha, uma punição à Turquia por ter agido junto com o Brasil no sentido de se encontrar uma solução para o impasse nuclear do Irã. Entretanto, o cálculo teria sido mal feito, pois a reação da Turquia pode significar o fim de numerosos acordos com Israel, isolando-o ainda mais, pois a Túrquia é o único país muçulmano que tem acordos, inclusive militares, com Israel.
Paradoxalmente, se a própria criação de Israel tem suas raízes no navio Exodus, impedido de aportar, é um outro navio, impedido de acostar, que isola, destrói a imagem e coloca em questão a própria existência de Israel. Com sua intransigência, implantando novas colônias, desafiando até um antigo e importante aliado, Netanyahou não está se transformando no mais perigoso kamikase do Oriente Médio ?
*www.jcall.eu
*Rui Martins é jornalista. Foi correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. É autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criador dos "Brasileirinhos Apátridas" e da proposta de um Estado dos Emigrantes. É colunista do site "Direto da Redação" e vive em Berna, na Suíça, de onde colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, e com o blog "Quem tem medo do Lula?"
Charge: Carlos Latuff
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