O maior perna de pau do mundo
Recife (PE) - O jogador de futebol Mauro Shampoo, no documentário que leva o seu nome, desperta risos em muitos momentos. Jogador do Íbis Sport Club, dono do título de "pior time do mundo", Mauro Shampoo se revela no filme um atleta digno do clube. A certa altura, ele conta que em toda vida profissional, de feroz e perigoso atacante, marcou somente um gol. Ponto.
Depois do filme, essa fala me despertou alguns pensamentos. Qual seria mesmo o pior jogador de futebol do mundo? Se o melhor foi Pelé, quem poderia ser o pior? Então me ocorreu estabelecer alguns critérios.
No primeiro, os jogadores titulares e reservas dos piores times do mundo, por mais desgraçados que fossem, não teriam direito ao honroso pódio. A razão é que tais agraciados, ainda que muito ruins, são profissionais - bem ou mal vivem de futebol, e se recebem pagamento por seus talentos, algum valor de excelência têm. Entre os piores, eles não seriam os primeiros.
No segundo critério, deveria excluir desse especial ranking os jogadores de times amadores, de subúrbio, de cidades longínquas, de povoados. A razão aqui, mais uma vez, não é arbitrária. Tais jogadores, por suas habilidades, foram e são os melhores para a seleção local. Quero dizer, esses homens algum valor devem ter, porque recebem uma escolha da sua comunidade. Os times amadores, é histórico, aqui e ali fornecem estrelas para os times profissionais, até mesmo para os times de primeira divisão.
No terceiro critério, e o leitor já percebe o quanto o poço é fundo, deveria deixar fora os jogadores que se escalam para o futebol de fim de semana, os que se escolhem para jogar por lazer e diversão. Os jogadores de pelada. Esses também se excluem do ranking. Conforme já vi em Memória de futebol, mesmo entre esses jogadores há uma elite, um critério, como dizê-lo?, há uma hierarquia. Para eles, ali jogam apenas os melhores jogadores que podem existir em um raio de 1 metro de distância. Dos piores não são os mais piores, digamos.
Chega-se então aos que sobram, aos que não conseguem ter vez nas seleções dos piores times profissionais, amadores ou das peladas de fim de semana. Mas por favor acompanhem. Poderíamos, mesmo aqui, cometer alguma injustiça. Não falo em defesa dos pernas-de-pau. O problema é que entre esses jogadores excluídos há muitos injustiçados. Existem aqueles que passam por maus momentos em suas carreiras. Se os melhores têm bolhas nos pés, unha encravada, obesidade e problemas no amor com modelos, por que os piores seriam excluídos dessa felicidade? Os piores também podem atravessar uma má fase, como se diz das estrelas. Maradona, Zidane, Pelé, Ronaldo, todos sofrem. Então, por justiça, os Joões e Josés têm esse direito.
Por outro lado, os jogadores rejeitados nas peladas de fim de semana, todos, jogam por prazer, por hobby, como diziam os esnobes em 1970. Esses jogadores não se empenham, não põem a alma nos pés, não dão o sangue. Daí que, com o espírito em baixa importância, em "baixa-estima", como dizem, joguem tão mal. Diríamos, até, pior que os outros.
Então chegamos aos piores de fato. Chegamos aos que jogam com alma, que não pensam em outra coisa, só em bola, gol e futebol, todo o tempo. Chegamos aos que, apesar de todas essas condições subjetivas, produzem e jogam objetivamente mal o objeto da paixão. Mal e de mau a pior. Chegamos aos que são péssimos por natureza, por força e característica da natureza. Aos que jogam mal com toda naturalidade, e nem parecem.
E nem parecem jogar, de tão naturais. Eles formam uma segunda natureza artística. Pois não dizem que a melhor arte oculta a sua arte? Pois então: eles, os absolutos, perdem gols imperdíveis, não sabem cabecear, chutar, defender, pular, em resumo, são total avessos e estranhos ao objeto bola. Se chutassem pedras, cubos ou poliedros excêntricos, seriam melhores jogadores. E no entanto, bravo, cometem prodígios absurdos com a esfera. Se com eles o futebol não triunfa, com muita propriedade triunfa uma força maior, uma irreprimível inabilidade.
Então chego ao pódio. Eu conheci uns dois indivíduos assim. Se Mauro Shampoo dizia que em toda a vida profissional somente marcou um gol, eu devo dizer que esses dois raros jamais fizeram um só, em todas suas vidas, ainda que se matassem para o gozo de enfiar a bola naquele espaço tão largo. De um deles, de quem sou por desgraça íntimo, devo dizer que chegou a cometer um, contra. Mas não existe bom sem defeito.
Urariano Mota é jornalista e escritor. Autor do livro "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do Cabo Anselmo, executada pela equipe de Fleury com o auxílio de Anselmo. Urariano é pernambucano, nascido em Água Fria e residente em Recife. É colunista do site "Direto da redação" e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"
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