Sands, Cuba, Battisti: pesos e medidas
Críticas contra Ativistas de DH
Em relação com a greve de fome que levou à morte ao dissidente cubano Orlando Zapata, quero responder a uma acusação que paira no ar, formulada com ênfase inversamente proporcional ao grau de prestígio e visibilidade do acusador.
Segundo isto, os defensores de Direitos Humanos (mencionados sem referência a ONGs específicas salvo em alguns casos) estariam se comportando tendenciosamente contra Cuba. Em vários lugares usou-se até a criativa expressão “dois pesos e duas medidas”, que, apesar de tão conhecida, me parece inadequada. Não seria melhor, para os que nos criticam, dizer que temos “vários pesos e várias medidas”?
Normalmente, minha norma é não entrar em polêmicas. É um assunto de estilo pessoal que nem sempre coincide com o da nossa organização. Há três anos, a então vice-secretária geral, Kate Gilmore, deu uma réplica ao comentário do cardeal Renato Martino, ministro de Justiça do Vaticano, por causa de uma proposta moderada de AI de descriminalizar o aborto para os casos em que a saúde ou DH da grávida estão em perigo. Como eu nunca fiz parte das hierarquias de nossa organização, não estou obrigado a estes debates. Acredito que enrolar-se em provocações pode contribuir a trivializar a causa que queremos defender, salvo em alguns casos.
No caso em apreço, porém, uma resposta genérica é importante, porque entre as pessoas e instituições que nos criticam, aparecem também personalidades do maior rango político do planeta, que comparam o “açodamento” ao condenar Cuba, com a “indiferença” face à greve de fome do Bobby Sands, do IRA, que o levou à morte no dia 5 de maio de 1981. Quero lembrar que nossa organização já foi tratada de subagência da CIA por todo o ex-bloco “socialista”, por nacionalistas de “esquerda”, e pelos fundamentalistas islâmicos. Ao mesmo tempo, fomos rotulados de comunistas, anarquistas, subversivos e terroristas, por toda a direita, liberal ou fascista, desde que eu me lembro (meados dos anos 70). Então, se alguém pretende ser original com estas críticas, não se iluda.
O Caso dos Dissidentes Cubanos
Há várias questões neste aspecto. Quero começar com a vaga acusação de sermos parciais em favor dos dissidentes cubanos.
Os que lêem de vez em quando meus posts podem perceber que escrevi, nos últimos meses, um equivalente a mais de 400 páginas em defensa de Cesare Battisti, inclusive fornecendo argumentos jurídicos, históricos e até técnicos. Conheço pessoalmente Battisti muito pouco e não saberia dizer se hoje ele é simpatizante do regime cubano. Todavia, ele é visualizado como alguém oposto aos dissidentes cubanos. Estes lutam contra um regime considerado comunista e Battisti integrou um grupo que se chamava comunista.
Por outro lado, ele é defendido por toda a esquerda brasileira, com intensidade e empenho diferenciado (no ápice estão os parlamentares do PSOL, e alguns outros como os senadores Buarque, Suplicy e Arruda). A parte da esquerda brasileira que apóia a repressão aos dissidentes cubanos (não sei qual é a sua proporção no total) não é aquela que mais está comprometida com a causa de Battisti. Entretanto, a esquerda mais ativa e transparente tem se mostrado cautelosa no caso cubano e até decididamente contrária à perseguição política, como foi o caso de José Genoino, figura histórica do PT.
Encontrei em um site de militantes conhecidos do PSOL, um post de meu artigo sobre os DH em Cuba, junto com outro de um intelectual cubano que condena Zapata, unidos por uma advertência do editor do blog de que era necessário comparar cuidadosamente posições contrapostas. Em outro caso, o deputado Chico Alencar lamentou a oportunidade perdida pelo Presidente de propor uma troca de prisioneiros entre Cuba e os EEUU. O senador Suplicy sugeriu ao Presidente que ensine ao governo cubano a respeitar os DH e a democracia. O senador Cristovão Buarque criticou a indução à morte do dissidente, considerando-a mais cruel que o fuzilamento.
Por outro lado, os mais radicais defensores do regime cubano e venezuelano reagiram friamente a meus pedidos de colaborar com nosso site de Petition On Line, apesar de que minha afiliação a AI aparece discretamente no rodapé, com minha assinatura virtual, e não significa que os assinantes recebam dinheiro da CIA. Militantes das correntes da Alba, que garantem possuir redes sociais com milhares de computadores conectados, se recusaram a utilizá-los para meus pedidos em favor de Battisti, com diversos pretextos elegantes. Houve casos excepcionais. Tal vez um 10% do total de assinantes foi de esquerdistas bolivarianos, aos quais aproveito para agradecer. O outro 90% está integrado pela esquerda independente, por membros de partidos pequenos ou médios (PSOL, PSTU, PCO, PCB, PCdoB, etc.), e por ativistas de DH não alinhados.
O secretariado internacional de AI não assumiu o caso Battisti por causa do tamanho da agenda para Brasil e dos poucos pesquisadores que possuímos para esta região. As mortes no campo, os massacres policiais em favelas, e outros problemas coletivos ocupam todos os recursos de AI para o país. Não digo que AI subestime os casos individuais, mas estes casos exigem uma investigação detalhada e rigorosa sobre cada vítima, o que não era possível aqui. Nunca omitimos essa investigação, porque sustenta a credibilidade que nos permite ser úteis. Anistia da Itália não pôde atuar por óbvias razões de segurança.
Quanto à minha pertinência a AI dos Estados Unidos, foi uma necessidade há alguns anos (2001), quando a seção brasileira foi dissolvida pelo secretariado internacional por atos de corrupção. Isto aconteceu pela primeira vez, mas a dissolução remediou, com certo atraso, os excessos cometidos. Estar na AIUSA não significa receber dinheiro do imperialismo americano. Aliás, faz muitos anos que não vou aos EEUU, pois minha condição de ativista independente não me exige contato direito com a seção.
O Caso de Bobby Sands
Em relação com o caso do IRA, não possuo provas de meu comportamento pessoal, mas posso falar da conduta geral de nossa ONG. No começo da greve de fome de Sands (março de 1981), eu recém estava ingressando na seção de AI do México, e nem tinha ainda ID.. Nos anos anteriores, eu estava no Brasil e não podia manifestar-me como simpatizante de Anistia, pois no meu local de trabalho específico na UNICAMP predominavam pessoas de ultradireita e até agentes da ditadura argentina.
Apesar disso, tive conhecimento do relatório de Junho de 1978 de AI, onde criticava o tratamento dado pelo governo britânico ao grupo de prisioneiros do IRA no qual estava Sands, mesmo antes da greve. A missão que o secretariado internacional de AI enviou ao Ulster, para apurar essas violações foi uma das mais completas da história da organização. (Vide)
Entretanto, a figura de Sands esteve sempre presente em muitas de minhas intervenções, como o prova a carta aberta que enviei ao Presidente do STF, em 14 de novembro de 2009, que se difundiu muito graças ao honroso apóio de Anita Leocádia Prestes, que aproveito para agradecer publicamente. Há versões completas em muitos sites, por exemplo, em Congresso em Foco. No § 10, menciono a vitalidade da memória de Sands, contrastando com a triste lembrança da Ministra Thatcher, numa explícita comparação entre um futuro de honra para Battisti, e um de vergonha para seus carrascos.
Um fato muito interessante é que, com ensejo da minha carta a Mendes, muitas pessoas colocaram comentários no blog de Luis Nassif de 18/11 (Vide). Desses, destaca o do jovem português Edson Medeiros, que publicou um relato sobre o caso Sands, que descobrira num jornal motivado pela curiosidade produzida pela minha citação. Ou seja, antes que a comunidade jovem se perguntasse quem era Sands, eu já vinculava o caso dele com o de Battisti, Olga Benário e outros.
É mais descabida, ainda, a pretensão de que os militantes de DH em prol de Zapata ignoraram, 29 anos antes, os sofrimentos dos detentos do Sinn Fein Provisional. Entendo que o memorial a Bobby Sands inaugurado por Gerry Adams em Havana em 2001 emocione. Contudo, os que contemplam este memorial pela primeira vez, e se informam de que existiu aquele jovem ativista, deveriam pensar que um monumento é pouco como fonte histórica. Não teria custado nada ler alguma das numerosas crônicas que recorreram o mundo todo.
A atuação de Anistia é reconhecida num portal destinado a honrar Bobby Sands, denominado Bobby Sand Trust. Aí aparece uma história completa do conflito, e algumas citações literais dos investigadores de AI que percorreram as prisões. Admite-se que a visita de AI foi um dos maiores fatores para que a luta dos jovens de IRA fosse conhecida.
Alguns setores políticos sugerem uma forte antinomia entre os republicanos irlandeses, que seriam heróis de uma luta pela libertação, com os dissidentes cubanos, aos que consideram infames mercenários, espiões e criminosos. Entretanto, até alguns militantes da libertação do Ulster têm maior equanimidade, e acreditam que ambos os eventos são comparáveis. Uma apresentação objetiva de várias opiniões sobre o assunto está em outra página do portal de Sands.
Há um parecido que muitas pessoas não gostariam de conhecer. Com efeito, segundo o Irish Times, de 18/05/1981, o secretário de estado britânico, Humphrey Atkins, teria dito que “Sands não escolheu a morte, mas foi obrigado por aqueles que acharam sua morte útil”. (Vide) É a mesma insanidade que a publicada pela mídia cubana, onde se diz que Zapata era um lumpen tolo que foi “convencido” a suicidar-se. Que o UK seja um país imperialista e Cuba um país oprimido não muda a situação: em todos os lugares se podem falar idiotices.
Os que acham que Sands não recebeu tanta atenção internacional como Zapata, deveriam se informar melhor. Mesmo há 29 anos, sem Internet e com meios de comunicação muito mais precários que os atuais, a morte de Bobby percorreu o mundo e despertou paixão e compromisso em dúzias de países, gerando grandes passeatas, atos gigantescos e cerimônias de homenagem na própria GB, que mesmo a Iron Maiden Thatcher não reprimiu.
Carlos Alberto Lungarzo é professor e escritor, autor do livro "Os Cenários Invisíveis do Caso Battisti". Para fazer o download de um resumo do livro, disponibilizado pelo próprio autor, clique aqui. É membro da Anistia Internacional e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"
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