Por que tanta mobilização contra, se muitos brasileiros nos mais diversos rincões só têm acesso à informação através da Voz do Brasil? Por que tirar a fonte? Preferem os proprietários que os brasileiros se informem somente por seus noticiários, que deixam totalmente a desejar.
Por Mario Augusto Jakobskind (*)
Neste período de férias e festas, quando os brasileiros não estão atentos aos acontecimentos e de um modo geral a mídia funciona a meio vapor, no Legislativo e no Executivo empurram na maciota questões no mínimo polêmicas e que deveriam passar por uma ampla discussão até serem transformadas em lei.
Um desses pontos aprovados a toque de caixa é a decisão tomada pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado de flexibilizar a Voz do Brasil. Ou seja, os parlamentares aprovaram que o mais antigo programa informativo do rádio brasileiro não precisará ir ao ar no horário estabelecido de 19 as 20 horas.
Se os plenários do Senado e posteriormente o da Câmara dos Deputados, antes também a Comissão da Câmara aprovarem, a Voz do Brasil poderá ser apresentada em outros horários. Só as rádios públicas continuarão no horário atual.
Na verdade, o que os parlamentares mais desejam é acabar de uma vez por todas com a Voz do Brasil. Tem um detalhe: muitos desses políticos estão legislando em causa própria, ou seja, são proprietários de veículos de comunicação, o que é totalmente ilegal, pois a legislação brasileira proíbe parlamentares proprietários de veículos de comunicação. Na nova legislatura 61 parlamentares são proprietários de veículos de comunicação, fora os que passaram a propriedade para laranjas.
A flexibilização do horário é um sofisma, porque na prática representará o início do fim da Voz do Brasil, o que é desejado há tempos pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert). Tanto assim que em determinado momento o patronato do setor convocou até o Caetano Veloso para falar contra a Voz do Brasil.
Flexibilização do horário? Quem vai fiscalizar se as mais de cinco mil emissoras de rádio em todo o país estarão de fato transmitindo em horários diferenciados? É óbvio que as emissoras privadas vão driblar a exigência. E ninguém vai reclamar.
O esquema contra a Voz do Brasil é sofisticado. Na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro do ano passado, por exemplo, o patronato ganhou alguns aliados, que se dizem representativos dos movimentos sociais e que militam em áreas da comunicação, para a tese de flexibilização da Voz do Brasil.
Um dos argumentos utilizados pelo patronato midiático é de que a obrigatoriedade da Voz do Brasil ocorre na esfera privada. O argumento não procede, até porque é importante lembrar que o espectro eletromagnético das emissoras de rádio e televisão pertence ao Estado brasileiro, que concede aos empresários o funcionamento das emissoras.
Vale assinalar que o espaço em questão não é privado, como tentam demonstrar erradamente os proprietários à opinião pública. Isto é, TV Globo, Record, SBT etc não são privadas, o canal pertence ao Estado brasileiro e pode ser teoricamente retirado se deixar de cumprir com algumas exigências determinadas pela legislação.
Mas a renovação vem sendo automática, porque se por algum motivo não conseguirem gritarão que estão sendo objeto de censura ou algo do gênero. E terão apoio da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
A Voz do Brasil, além de ser o programa mais antigo do rádio brasileiro cumpre uma função da mais alta relevância neste país continente. Em longínquos rincões dos Estados o acesso à informação se dá exatamente através da Voz do Brasil e no horário estabelecido há mais de 70 anos, ou seja, de 19 as 20 horas.
Não se pode deixar de mencionar que o programa acumula três prêmios de jornalismo e é reconhecido como canal de acesso a informações precisas e objetivas sobre o governo, o Estado e a Cidadania. Quem ouve a Voz do Brasil percebe muitas informações relevantes que não são apresentadas nos telejornalões.
Ao contrário do que afirmam os proprietários de estações de rádio, a Voz do Brasil tem boa audiência. Segundo pesquisas, o maior índice ocorre nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde dois terços dos entrevistados pelo Data Folha disseram que ouviam regularmente a Voz do Brasil.
Então, porque tanta mobilização contra, se muitos brasileiros nos mais diversos rincões só têm acesso à informação através da Voz do Brasil? Por que tirar a fonte? Preferem os proprietários que os brasileiros se informem somente por seus noticiários, que deixam totalmente a desejar.
Por estas e muitas outras, apesar do silêncio da mídia de mercado, que volta e meia dá espaço para os proprietários de rádio criticarem a Voz do Brasil, é fundamental que entidades representativas da sociedade brasileira, que não se dobram aos anseios do patronato, se manifestem. É o caso, por exemplo, da diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se manifestar em defesa da Voz do Brasil, até porque em seu último congresso, em agosto do ano passado, em Porto Alegre, a entidade aprovou tese em favor da continuidade do programa informativo no mesmo horário de sempre.
Embora a pressão do patronato seja grande, a flexibilização não está decidida. Se a sociedade brasileira não for informada sobre o que está se passando no Congresso e ficar calada, o patronato terá conquistado o que almeja há tempos. Mas se os senhores parlamentares que iniciam os trabalhos agora em fevereiro refletirem um pouco mais verão finalmente que a flexibilização só interessa mesmo ao patronato midiático, um dos setores do poder, mais conservadores. E para convencer é preciso mobilização popular.
Em tempo. Os colunistas da mídia de mercado, que volta e meia pregam também o fim da Voz do Brasil, estão adotando a estratégia de queimar o ex-Presidente Lula e jogá-lo contra Dilma Rousseff. Não se conformam com o fato de passarem oito anos deitando e rolando em cima de Lula e ele deixar o governo com 87% de popularidade. Lula e Dilma podem e devem ser criticados, mas a direita midiática age na prática substituindo os golpistas que na segunda metade do século passado pregavam a desestabilização de governos democráticos nos quartéis. Deu no que deu.
*Mário Augusto Jakobskind é jornalista, mora no Rio de Janeiro e é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de S. Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, dentre outros livros, de “América que não está na mídia” e “Dossiê Tim Lopes – Fantástico / Ibope”. É colunista do site “Direto da Redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
=> Artigo publicado originalmente no site "Direto da Redação".
Um desses pontos aprovados a toque de caixa é a decisão tomada pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado de flexibilizar a Voz do Brasil. Ou seja, os parlamentares aprovaram que o mais antigo programa informativo do rádio brasileiro não precisará ir ao ar no horário estabelecido de 19 as 20 horas.
Se os plenários do Senado e posteriormente o da Câmara dos Deputados, antes também a Comissão da Câmara aprovarem, a Voz do Brasil poderá ser apresentada em outros horários. Só as rádios públicas continuarão no horário atual.
Na verdade, o que os parlamentares mais desejam é acabar de uma vez por todas com a Voz do Brasil. Tem um detalhe: muitos desses políticos estão legislando em causa própria, ou seja, são proprietários de veículos de comunicação, o que é totalmente ilegal, pois a legislação brasileira proíbe parlamentares proprietários de veículos de comunicação. Na nova legislatura 61 parlamentares são proprietários de veículos de comunicação, fora os que passaram a propriedade para laranjas.
A flexibilização do horário é um sofisma, porque na prática representará o início do fim da Voz do Brasil, o que é desejado há tempos pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert). Tanto assim que em determinado momento o patronato do setor convocou até o Caetano Veloso para falar contra a Voz do Brasil.
Flexibilização do horário? Quem vai fiscalizar se as mais de cinco mil emissoras de rádio em todo o país estarão de fato transmitindo em horários diferenciados? É óbvio que as emissoras privadas vão driblar a exigência. E ninguém vai reclamar.
O esquema contra a Voz do Brasil é sofisticado. Na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro do ano passado, por exemplo, o patronato ganhou alguns aliados, que se dizem representativos dos movimentos sociais e que militam em áreas da comunicação, para a tese de flexibilização da Voz do Brasil.
Um dos argumentos utilizados pelo patronato midiático é de que a obrigatoriedade da Voz do Brasil ocorre na esfera privada. O argumento não procede, até porque é importante lembrar que o espectro eletromagnético das emissoras de rádio e televisão pertence ao Estado brasileiro, que concede aos empresários o funcionamento das emissoras.
Vale assinalar que o espaço em questão não é privado, como tentam demonstrar erradamente os proprietários à opinião pública. Isto é, TV Globo, Record, SBT etc não são privadas, o canal pertence ao Estado brasileiro e pode ser teoricamente retirado se deixar de cumprir com algumas exigências determinadas pela legislação.
Mas a renovação vem sendo automática, porque se por algum motivo não conseguirem gritarão que estão sendo objeto de censura ou algo do gênero. E terão apoio da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
A Voz do Brasil, além de ser o programa mais antigo do rádio brasileiro cumpre uma função da mais alta relevância neste país continente. Em longínquos rincões dos Estados o acesso à informação se dá exatamente através da Voz do Brasil e no horário estabelecido há mais de 70 anos, ou seja, de 19 as 20 horas.
Não se pode deixar de mencionar que o programa acumula três prêmios de jornalismo e é reconhecido como canal de acesso a informações precisas e objetivas sobre o governo, o Estado e a Cidadania. Quem ouve a Voz do Brasil percebe muitas informações relevantes que não são apresentadas nos telejornalões.
Ao contrário do que afirmam os proprietários de estações de rádio, a Voz do Brasil tem boa audiência. Segundo pesquisas, o maior índice ocorre nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde dois terços dos entrevistados pelo Data Folha disseram que ouviam regularmente a Voz do Brasil.
Então, porque tanta mobilização contra, se muitos brasileiros nos mais diversos rincões só têm acesso à informação através da Voz do Brasil? Por que tirar a fonte? Preferem os proprietários que os brasileiros se informem somente por seus noticiários, que deixam totalmente a desejar.
Por estas e muitas outras, apesar do silêncio da mídia de mercado, que volta e meia dá espaço para os proprietários de rádio criticarem a Voz do Brasil, é fundamental que entidades representativas da sociedade brasileira, que não se dobram aos anseios do patronato, se manifestem. É o caso, por exemplo, da diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se manifestar em defesa da Voz do Brasil, até porque em seu último congresso, em agosto do ano passado, em Porto Alegre, a entidade aprovou tese em favor da continuidade do programa informativo no mesmo horário de sempre.
Embora a pressão do patronato seja grande, a flexibilização não está decidida. Se a sociedade brasileira não for informada sobre o que está se passando no Congresso e ficar calada, o patronato terá conquistado o que almeja há tempos. Mas se os senhores parlamentares que iniciam os trabalhos agora em fevereiro refletirem um pouco mais verão finalmente que a flexibilização só interessa mesmo ao patronato midiático, um dos setores do poder, mais conservadores. E para convencer é preciso mobilização popular.
Em tempo. Os colunistas da mídia de mercado, que volta e meia pregam também o fim da Voz do Brasil, estão adotando a estratégia de queimar o ex-Presidente Lula e jogá-lo contra Dilma Rousseff. Não se conformam com o fato de passarem oito anos deitando e rolando em cima de Lula e ele deixar o governo com 87% de popularidade. Lula e Dilma podem e devem ser criticados, mas a direita midiática age na prática substituindo os golpistas que na segunda metade do século passado pregavam a desestabilização de governos democráticos nos quartéis. Deu no que deu.
*Mário Augusto Jakobskind é jornalista, mora no Rio de Janeiro e é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de S. Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, dentre outros livros, de “América que não está na mídia” e “Dossiê Tim Lopes – Fantástico / Ibope”. É colunista do site “Direto da Redação” e colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.
=> Artigo publicado originalmente no site "Direto da Redação".
Um comentário:
De há muito nosso espectro analógico de Rádio e TV foi dominado pelos neoliberais. Faz parte da herança maldita do golpe de 1964. O excelente e muito querido pelo povo brasileiro, programa "A Voz do Brasil", é o único espaço não comprometido com o lucro de patrocinadores e patrocinados. É o único espaço realmente usado para informar o cidadão sem nenhum interesse comercial embutido.E é do que eles querem se apoderar em função de suas ganância e irresponsabilidade social. Não mereciam ter suas concessões renovadas pelo estado brasileiro pois não cumprem o seu papel social ao prestar um serviço público que é a comunicação. Minha esperança é que o marco legal da comunicação que será debatido pelo novo congresso ponha ordem neste setor estratégico,que no Brasil tornou-se uma caixa-preta a serviço de meia dúzia de famílias.
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