José Serra: nada mais nos UNE
Por Celso Lungaretti
Faço minhas as palavras dos universitários que ocuparam a reitoria da Universidade de São Paulo em meados de 2008 para protestarem contra quatro decretos autoritários do governador José Serra, o qual acabou alterando-os sob vara da comunidade acadêmica e da opinião pública.
Se já então o movimento estudantil estava certo em repudiar o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, seus motivos para justa indignação aumentariam em muito quando Serra cometeu o sacrilegio de ordenar o aquartelamento das tropas mais truculentas da Polícia Militar na Cidade Universitária, em junho/2009, daí resultando a Batalha da USP.
Soltar os gorilas e os brutamontes no campus era o que a ditadura fazia e era o que jamais esperaríamos de quem um dia lutou pela liberdade e justiça social.
E, se nada mais me une a Serra enquanto veteranos que somos do movimento estudantil, também nada mais restou do comum repúdio à ditadura militar que o levou ao exílio e me levou aos cárceres.
Pois hoje ele quer mais é que todos esqueçamos os valores que professou no passado, tanto que continua ignorando olimpicamente as sucessivas advertências que venho lançando sobre o alinhamento com a retórica falaciosa da ditadura militar que uma unidade do seu aparato policial mantém impune e impudicamente no ar.
Foi em outubro/2008 que, alertado pelo incansável Ismar C. de Souza, enderecei a Serra uma carta aberta, protestando contra os elogios que a Rota (ex-Rondas Extensivas Tobias de Aguiar) fazia, em sua página virtual, à atuação por si desenvolvida durante o regime de exceção, contribuindo com o arbítrio.
Historiei a atuação dessa unidade da Polícia Militar, criada para enfrentar a guerrilha urbana e que, depois de massacrados os combatentes da resistência à ditadura, passou a aplicar os mesmos métodos de torturas e assassinatos contra criminosos comuns.
Lembrei que o excelente livro Rota 66, do colega jornalista Caco Barcellos, documentara "4.200 casos de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como vítimas, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros (muitas vezes sem antecedentes criminais)".
E cheguei ao fulcro da questão: a Rota continuava destacando, com indisfarçável orgulho, os atentados que cometeu contra a democracia (ver, aqui, os itens História do Batalhão e Os Boinas Pretas).
Reproduzi vários trechos da página virtual, como este:
Aliás, tal batalhão, antes mesmo de dar origem à Rota, já cumprira papel deplorável na quartelada de 1964, atuando como força auxiliar dos golpistas das Forças Armadas. E isto também era objeto de louvação virtual:
[Este último trecho atualmente tem um acréscimo, o de que a Rota foi coadjuvante do golpe contra Goulart "apoiando a sociedade e as Forças Armadas"! Ou seja, ainda fazem revisões para tentarem justificar o injustificável...]
Era, comentei, "a voz do passado que continua ecoando no presente, à custa dos impostos pagos pelos contribuintes paulistas".
E conclui assim a carta ao Serra:
Comprovando que, na contramão do exemplo inesquecível do companheiro-presidente Salvador Allende, Serra agora trata os ex-companheiros com empáfia de governador, ele nem sequer se dignou a responder!
Recebi uma enxurrada de mensagens de defensores da Rota, incluindo ameaças ostensivas ou veladas, enviadas tanto ao meu e-mail quanto aos meus dois blogues.
Minha resposta a essa campanha articulada foi o artigo Não desviarei da Rota, de dezembro/2008. Reafirmei tudo que anteriormente dissera e acrescentei:
Em janeiro/2009, o portal Brasil de Fato fez uma reportagem na esteira de minhas denúncias, ouvindo o oficial de Planejamento e Operações da Rota, 1º Tenente Gerson Pelegatti, que qualificou as exaltações à ditadura militar como "um grande equívoco" e prometeu tirar a página do ar para que seja feita "uma limpeza geral".
Disse que a identificação com a ditadura não correspondia mais ao pensamento dos policiais. E garantiu que as correções seriam feitas com a máxima rapidez possível.
Pois bem, um ano depois continua tudo na mesma, com a página da Rota carecendo ainda de "uma limpeza geral" para removerem-se as imundícies denunciadas por mim e pelo Brasil de Fato.
O tenente Pelegatti faltou com a palavra, não cumprindo sua promessa de corrigir o "grande equívoco". Aonde foi parar a honra militar?
Quanto a José Serra, não se mostrou à altura nem da sua posição atual de governador numa democracia, nem do seu passado de presidente da UNE e de perseguido político. Quer mesmo é se mostrar confiável ao grande empresariado.
Uma Presidência da República compensará a completa descaracterização de Serra (que parece seguir sofregamente os passos de Carlos Lacerda, com grande chance de também nunca alcançar a prenda almejada...)?
Prefiro ficar com o Evangelho:
Celso Lungaretti, é jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém o blog "Náufrago da Utopia", é autor de livro homônimo sobre sua experiência durante a ditadura militar e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"
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