Liga dos Direitos do Homem apela a Lula por Battisti
Por Celso Lungaretti
"Battisti vem protestando há vários anos, afirmando que jamais dirigiu essa organização de que fazia parte, e que jamais cometeu os crimes de que é acusado. Porém, ninguém o escuta, e aparentemente pouco importa a seus acusadores que ele seja culpado ou inocente. Para eles, Battisti é antes de tudo um símbolo. E o discurso desses acusadores não fala de Direito, mas da vingança, essa inimiga da Justiça."
A afirmação é de Jean-Pierre Dubois e Michel Tubiana, respectivamente o atual presidente e o presidente honorário da Liga dos Direitos do Homem, em mensagem recentemente enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Comumente referida apenas como LDH, a Liga Francesa para a Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão é a mais prestigiosa ONG empenhada na observação, defesa e promulgação dos DH na República Francesa, em todos os domínios da vida pública. Integra a Federação Internacional de Direitos Humanos.
Foi incisivo o apelo que Dubois e Tubiana endereçaram ao presidente Lula, no sentido de que resista às fortes pressões internacionais contra o escritor e perseguido político Cesare Battisti:
Eis a íntegra da mensagem que enviou ao presidente Lula:
Paris, 24 de Novembro de 2009.
Exmo. Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil
Senhor Presidente,
Vossa Excelência ouviu as graves acusações, de terrorismo e mortes, que pesam sobre Cesare Battisti. Vossa Excelência ouviu também seus defensores explicarem a total ausência de provas e testemunhos quanto à sua culpa, o papel extremamente duvidoso dos “arrependidos” durante o processo, as suspeitas que pairam sobre várias peças do dossiê.
O senhor também ouviu, senhor Presidente, alguns italianos, de esquerda como de direita, reclamarem sua extradição. As ofensas midiáticas e diplomáticas não deixam espaço para a dúvida e para pontos de vista contraditórios. Esta súbita obstinação contra um homem com o qual ninguém se preocupou durante tantos anos bem demonstra que Cesare Battisti se tornou um mero trunfo político-eleitoral. Por que não se preocupam com os outros italianos exilados, de extrema-esquerda e, sobretudo, de extrema-direita, com comprovada responsabilidade em atentados?
Vossa Excelência é o chefe de um grande país, o Brasil, e se, num primeiro momento, outorgou um refúgio político a Cesare Battisti tendo em vista sua situação e em conformidade à Constituição brasileira, também viu, num segundo momento, o Supremo Tribunal Federal assenhorear-se do caso, e viu pessoas que, por sua vez, tentaram transformá-lo num trunfo de política interna. Para essas pessoas, mais uma vez, pouco importa o destino de um homem.
Após a resolução do Supremo Tribunal Federal, o destino de Cesare Battisti passou a depender única e exclusivamente de Vossa Excelência. Vossa Excelência sabe que Battisti vem protestando há vários anos, afirmando que jamais dirigiu essa organização de que fazia parte, e que jamais cometeu os crimes de que é acusado. Porém, ninguém o escuta, e aparentemente pouco importa a seus acusadores que ele seja culpado ou inocente. Para eles, Battisti é antes de tudo um símbolo. E o discurso desses acusadores não fala de Direito, mas da vingança, essa inimiga da Justiça.
O caso Battisti cria um imenso mal-estar em todos os amantes da justiça e da liberdade: será justo condenar um homem e, o que quer que ele tenha feito, deixá-lo morrer, simplesmente por ter se tornado, nos últimos cinco anos, um objeto de troca, o trunfo de querelas políticas e de transações econômicas nacionais e internacionais? Este seria o extremo oposto de um ponto de vista humanista.
O engajamento pode levar à rebelião. A rebelião, quando fracassa, pode levar à prisão. A rebelião, quando vitoriosa, pode levar à responsabilidade política. E a política, por necessidade, leva a compromissos. Isso nós compreendemos, senhor Presidente, como compreendemos que Vossa Excelência se encontra diante de um problema complexo. É uma imensa responsabilidade. É também um imenso privilégio perante a Justiça e a História. Ao dizer “não” à extradição deste homem, Vossa Excelência poderá refutar essa iniciativa selvagem, em que a vida de um homem nada significa quando os poderosos, um Estado, ou até multidões clamam pelo sacrifício de um bode expiatório.
Pois bem sabe Vossa Excelência que a pessoa de Cesare Battisti não pode se reduzir a um mero símbolo. Cesare Battisti é antes de tudo um ser humano. A seu pedido, ele interrompeu sua greve de fome. Isso prova que ele confia em Vossa Excelência.
Também nós confiamos. Pois estamos seguros de que o presidente da República Federativa do Brasil não deixará que se entregue esse homem a um país que clama tão tardiamente, e com excessiva ferocidade, por uma injusta vingança. E a História há de lembrar.
Rogamos que aceite, senhor Presidente, os protestos de nossa admiração e a expressão de nosso imenso respeito,
Jean-Pierre Dubois
presidente da Liga dos Direitos do Homem (LDH)
Michel Tubiana
presidente honorário da Liga dos Direitos do Homem (LDH)
(com a colaboração de Gérard Alle, escritor,
Comitê francês de apoio a Cesare Battisti)
Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém o blog "Náufrago da Utopia", é autor de livro homônimo sobre sua experiência durante a ditadura militar e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"
A mais antiga ONG de Direitos Humanos apóia Battisti
Por Carlos Alberto Lungarzo
Inglaterra, Holanda e os Países Escandinavos foram os primeiros a derrubar as monarquias absolutas (Suécia foi o primeiro país do mundo a abolir a pena de morte e outorgar o foto feminino), mas foi mérito da França ter realizado a primeira grande revolução em cujo contexto os Direitos Humanos (DH) receberam sua formulação explícita.
Criadores do primitivo socialismo e do anarquismo, cenário das grandes polêmicas marxistas, inventores do conceito de esquerda (gauche), geradores de uma luta sem fim contra a ditadura, o militarismo e o estado confessional, fundadores da primeira e efêmera sociedade governada pelo povo (a Comuna de Paris), autores do gigantesco grito de liberdade da juventude de 1968, os franceses nunca estiveram alheios ao caso Battisti. Foi a esquerda francesa a que lhe proporcionou seus 14 anos de felicidade no ambiente mais racional e progressista do mundo, foram os intelectuais, artistas, professores e estudantes franceses os que combateram por sua liberdade, por sua não extradição, pela manutenção da palavra do povo francês, sujamente violentada pela direita.
Porque parece uma lição de história que, quando emergem os grandes humanistas, os corajosos libertários, surge, quase ao mesmo tempo, a forma mais cínica, cruel e covarde da direita. Há algumas excepções, mas isto foi regra na maioria dos países. Os bravos republicanos espanhóis foram reprimidos pela crueldade do mais místico e sádico exército de que se tenha notícia, aquele liderado por Millán-Astray, cujo slogan era “Morra a inteligência! Viva a Morte!”. O Espartaquismo foi combatido pelo nazismo, um movimento cuja história todos conhecem. O humanismo e iluminismo italiano, que produziu pensadores como Bruno e Beccaria, foi arrasado desde antes do fascismo, e nunca mais conseguiu se recuperar.
Na França, a luta entre revolucionários e monárquicos, entre iluministas e obscurantistas, entre democráticos e bonapartistas, entre humanistas e militaristas parece interminável, mas a força da razão ganha com freqüência algum espaço.
Ontem recebemos cópia de uma carta que será um marco indelével na história dos direitos e das conquistas morais e humanas. A Liga dos Direitos do Homem (Ligue des Droits de l’ homme, LDH), através de seu presidente efetivo, Jean-Pierre Dubois, de seu presidente de honra, Michel Tubiana e do escritor Gérard Alle, do Comitê de apoio a Cesare Battisti, enviou uma carta aberta ao Presidente Lula, de qual podem encontrar-se cópias na Internet (http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2010/01/liga-dos-direitos-do-homem-apela-lula.html).
A carta enfatiza alguns fatos conhecidos, que cobram maior força quando provém de uma organização que foi fundada em 1989 e teve como objetivo defender a primeira grande vítima de crime jurídico da história contemporânea, o capitão do exército francês Alfred Dreyfus, condenado por um delito inexistente. Como Battisti, ele também foi alvo da fúria de fanáticos e linchadores que, em vez de ser neofascistas como os atuais, eram os arautos do que se manifestava como o futuro fascismo.
Com decisão infreqüente em instituições famosas, que, muitas vezes zelam por uma etiqueta formal, os autores da carta se referem não apenas aos pontos tortuosos e contraditórios do julgamento, mas também às “ofensas mediáticas e diplomáticas”, à invasão do Supremo Tribunal Federal nas atribuições do executivo, e ao uso do caso Battisti como “triunfo de política interna”, numa sutil porém enérgica referência ao golpe branco que vários juízes e ex-juízes do Supremo impulsionam com incrível falta de escrúpulos. É incisivo o trecho em que a carta denuncia o espírito de vingança, “aquela inimiga da justiça”.
Há nesta carta uma observação especialmente iluminada. Os autores chamam ao presidente Lula a assumir o importante papel que lhe reserva a história. Isso significa, em outras palavras, que assim como as grandes vítimas de crimes jurídicos ficaram imortalizadas na história, também seus defensores o foram. Junto com Dreyfus lembramos a Emile Zola, junto com Sacco e Vanzetti, a Bertrand Russell. Entretanto, a quem podemos lembrar junto a Olga Benário?
A LDH tem um passado respeitável e por isso sua contribuição é radical. Especialmente depois de renascer em 1943 de sua dissolução pelos colaboracionistas, a Liga se aprofundou na defesa dos DH em seu sentido mais universal, se opondo ao chauvinismo e xenofobia do militarismo francês, à Guerra da Argélia, à tortura e às tentativas de golpe da Organização do Exército Secreto. Quando a barbárie se abateu novamente sobre a França, depois do triunfo de Chirac, a LDH esteve na primeira linha de combate a uma medida infame proposta pelo governo: ensinar nas escolas que a dominação colonial tinha tido “aspectos positivos”.
Em 2005, a LDH liderou junto a professores e estudantes a iniciativa para que a lei fosse retirada por seu caráter infamante contra a luta anticolonialista e seu respaldo a criminosos membros da Organização do Exército Secreto. Chirac e seu primeiro ministro, finalmente, abandonaram esse projeto fascistoide no ano seguinte. Chirac não fez uma verdadeira autocrítica: apenas disse que a história não podia ser feita por lei, mas devia ser feita pelos historiadores. No fundo, primeiro propôs a lei e a retirou depois, com o mesmo oportunismo que desconheceu o compromisso feito por Mitterrand de proteger os refugiados italianos.
O LDH, como muitas instituições progressistas do país, está salvando a vida de uma pessoa, que é o principal, mas também resgatando a honra do setor consciente da cidadania, cuja convicção sobre os DH, garantida por Mitterrand, foi enterrada pela direita. Talvez passe muito tempo até termos a clara dimensão da importância desta singela carta da LDH ao presidente Lula.
Carlos Alberto Lungarzo é escritor, autor do livro "Os Cenários Invisíveis do Caso Battisti". Para fazer o download de um resumo do livro, disponibilizado pelo próprio autor, clique aqui. É membro da Anistia Internacional e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"
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