Por Laerte Braga
Há uma forma bem simples de encarar o golpe militar de 1964 e que depôs o governo constitucional do presidente João Goulart instaurando um período de violência, barbárie e entrega do País a interesses de uma nação, os Estados Unidos e grupos econômicos internacionais.
As redes de tevê hoje gostam de exibir cenas de assaltos fracassados em que os assaltantes, na iminência de virem a ser presos, mantêm uma ou duas famílias como reféns.
O que os militares fizeram em 1964 foi isso. Seqüestraram a nação inteira e nos mantiveram reféns debaixo de um imenso tacão nazista, transformando o Brasil num mero acessório no jogo das grandes potências e em boa parte desse período transformando seus “comandantes” (o verdadeiro comando era externo, vinha de fora) em novos milionários (a corrupção é companheira inseparável da violência), tudo isso sustentado em câmaras de tortura, estupros, assassinatos, a absoluta falta de respeito e princípios de dignidade dos que se sustentam na barbárie e na boçalidade que é a regra geral, ainda hoje, da maioria dos nossos chefes militares.
As vítimas somos todos os brasileiros, uns em maior, outros em menor escala, mas as vítimas somos todos os brasileiros. E não se constrói uma nação livre e soberana sem que sua História seja contada sem pontos e vírgulas ocultos ou omitidos e que sirvam para esconder mentiras e farsas travestidas de substantivos ou adjetivos pomposos, como democracia, liberdade, patriotismo, dever cumprido, etc.
Os que mantêm famílias como reféns nesses assaltos corriqueiros de nossos dias (as forças de segurança estão mais preocupadas com a segurança dos donos do País e estigmatização da luta popular, a criminalização de movimentos como o MST) justificam a ação como conseqüência da miséria, da necessidade de sobrevivência, da falta de perspectivas. Os que seqüestraram o Brasil em 1964 buscaram justificar o ódio à liberdade, à democracia, escondidos num “patriotismo” canalha, mal disfarçado ou por outra, que nem preocuparam-se em disfarçar.
A história das forças armadas brasileiras revela militares de grandeza ímpar, caso do marechal Teixeira Lott, do marechal Luís Carlos Prestes, do major Cerveirra, do sargento Gregório Bezerra, do capitão Carlos Lamarca, e certamente, de alguns anônimos sacrificados na absoluta falta de escrúpulos dos seqüestradores do Brasil.
No Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre, uma freira iraquiana, irmã Sherine, disse a milhares de pessoas que lotavam o Gigantinho, ginásio do Internacional, que a grande tragédia do seu país, o Iraque, era o petróleo. O que deveria ser a riqueza de seu povo, permitir o progresso comum a todos, a existência, a coexistência e a convivência em bases dignas e humanas, se transformava em tragédia, pela cobiça dos seqüestradores, no caso os norte-americanos, os britânicos, os países subalternos que os seguiram e as grandes empresas que vieram atrás.
Somos o maior País da América Latina. Do ponto de vista territorial, político, econômico, chave para os interesses dos EUA nessa parte do mundo. O golpe de 1964 começou com a deposição do ditador Vargas em 1945 e o que se prenunciava democracia manteve-se no governo do condestável do Estado Novo, o marechal Eurico Gaspar Dutra. Derrotou o projeto militar de eleger o brigadeiro Eduardo Gomes, fundador da Aeronáutica brasileira e projeto da direita para o Brasil (era um homem digno, de caráter, diferente de Médice, Castello, Costa e Silva, Figueiredo, esse tipo de gente).
O projeto tornou a fracassar em 1950 quando Getúlio Vargas voltou ao poder pela maioria absoluta dos votos dos brasileiros derrotando o mesmo Eduardo Gomes. A guinada do novo Getúlio (se é que podemos dizer assim) que resultou, por exemplo, na criação da PETROBRAS (a imensa e esmagadora maioria dos militares era contra embora fossem muitos os militares que lutavam a favor na campanha “o petróleo é nosso”), essa guinada, o ranço do anti-getulismo e de conquistas da classe trabalhadora ao longo do período que vai da revolução de 1930 até a morte de Getúlio, em agosto de 1954, deu força à indústria do golpe, com largo alcance num primeiro momento na Marinha e na Aeronáutica e em seguida se alastrando pelo Exército, onde os chefes militares identificados com o País iam sendo afastados ou literalmente peitados pelos nazi/fascistas.
Foram os que subscreveram o manifesto dos coronéis em 1954, pedindo o afastamento do então ministro do Trabalho João Goulart que havia aumentado o salário mínimo em 100%. Entre os signatários desse manifesto, golpistas a serviço da empresa privada e interesses estrangeiros como Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de Faria e outros que viriam a ser proeminentes figuras dez anos mais tarde na boçalidade tramada e comandada por Washington, o seqüestro do Brasil por bandidos fardados.
UM BREVE, MAS SUFICIENTE DEPOIMENTO DE UM CORONEL/TORTURADOR
A tradição histórica das forças armadas brasileiras é na sua maior parte golpista e de direita, ou seja, fascista. Seu alinhamento e submissão a Washington tem sido quase total. Ainda agora, no golpe que derrubou o presidente constitucional de Honduras, um coronel brasileiro, aluno da escola de golpes para a América Latina, situada na base militar dos EUA em Tegucigalpa, emitiu parecer favorável ao golpe, rotulando-o de democrático.
Somo ainda, mesmo em um suposto processo democrático, os seqüestrados e ameaçados pela barbárie dessa gente. Estamos confinados aos limites da mentalidade tacanha e podre desses militares.
O depoimento prestado pelo coronel Brilhante Ulstra, comandante do DOI/CODI (Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna), à Procuradora da Justiça Militar em São Paulo, Hevelize Jourdan Covas (esteve em Brasília para ouvir um dos principais assassinos do período militar) é um primor de desfaçatez e amoralidade. O fato aconteceu em 15 de outubro na Corregedoria da Justiça Militar. E serve como um dos fios dos vários novelos enrolados pela ditadura militar e seu caráter de subordinação a governo de outro país, violência e crueldade.
Brilhante Ulstra, responsável por um dos mais cruéis centros de tortura, estupros e assassinatos da ditadura militar, declarou que chegou a São Paulo na primeira quinzena de 1970 e que “o terrorismo aumentava cada vez mais, principalmente no estado de São Paulo e no Rio de Janeiro”. A definição de “terrorismo” do carrasco Ultra refere-se aos resistentes ao seqüestro do Brasil por militares subordinados a um governo estrangeiro e a empresas e interesses que não os de nosso País.
Segundo o coronel, preparado inclusive por organismos internacionais preocupados com a repulsa popular ao golpe, os “órgãos policiais” foram surpreendidos pela ação dos “terroristas”. Estudantes, trabalhadores, camponeses, donas de casa. Para ele esse tipo de resistência pegou de surpresa operações especiais como a OBAN (OPERAÇÃO BANDEIRANTES), subordinada ao II Exército, com sede na capital paulista e montada por militares, polícia estadual e empresas. O filme CIDADÃO BOILESEN, exibido já em vários pontos do Brasil mostra a participação do empresário Boilesen, de origem dinamarquesa na repressão aos que lutavam contra a ditadura. Mercedes Benz, Supergasbrás, FOLHA DE SÃO PAULO, FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo) etc.
Diante desse quadro o próprio presidente da República (ditador) elaborou uma diretriz de “segurança interna” que deu poderes aos generais de Exército (são três as patentes de general no Brasil, de Brigada, de Divisão e de Exército), então comandantes militares de suas respectivas áreas, para combater o “terrorismo”.
Em cada área foi criado um Conselho de Defesa Interna (CONDI), um centro de operações – CODI - e um destacamento para operações (DOI). A atuação do coronel Brilhante Ulstra abrangeu, segundo suas próprias declarações, o período de vinte e nove de setembro de 1970 a vinte e três de janeiro de 1974. O período Médice, semelhante à ditadura Pinochet no Chile”
Segundo Brilhante Ulstra o comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira, lhe deu plenos poderes para combater o “terrorismo”. Ulstra era major à época e a frase/ordem de Canavarro foi a seguinte – “major, amanhã o senhor assumirá o comando do DOI/CODI. Estamos numa guerra. Vá assuma e comande com dignidade”. Comandar, Brilhante Ulstra comandou. Dignidade não me consta que assassinos, torturadores, sobretudo de presos por crime de opinião, indefesos, não me consta que tenha.
Cínico, amoral, chegou a dizer em seu depoimento que a partir deste momento sua família corria perigo com constantes ameaças às suas vidas e que as funções foram exercidas com “sacrifícios e privações”. É típico de canalhas esse tipo de defesa para o inconfessável.
Relatou os “atos de terrorismo” em linhas gerais, falou de “crimes de resistentes”, negou a tortura, admitiu que, eventualmente, pode ter havido algum excesso, que muitos presos arrependidos acabavam por ajudar na apuração dos “crimes”, dá para imaginar as “pregações pelo arrependimento”. Negou qualquer participação no crime contra Wladimir Herzog e beirando os limites da hipocrisia absoluta falava que os “suicídios” eram “suicídios mesmo”.
Repugnante. Repulsiva a figura.
Trecho de seu depoimento – “que afirma que trinta e sete pessoas foram mortas no DOI/CODI durante seu comando, apresentando relação com dados completos das pessoas citadas. Que estes trinta e sete militantes morreram nas ruas em combate com os seus subordinados, ou então, quando reagiam ou tentavam fugas em pontos normais, pontos de polícia ou e pontos frios. Que quando morriam em uma destas situações não era possível solicitar perícia local, pois os terroristas agiam com cobertura armada, havendo risco de ataque aos agentes que preservavam o local; que o corpo era levado ao DOI, sendo feito contato com o DOPS, para o encaminhamento ao IML, para autópsia e abertura de inquérito”.
As autópsias foram executadas pelo médico Harry Shibata proibido de exercer a medicina e banido da profissão por assinar laudos falsos sobre mortos por tortura nas dependências do DOI/CODI sob o comando do coronel Brilhante Ulstra.
Brilhante Ulstra fala em ter orgulho das funções que exerceu e seu depoimento é público. As instituições da classe médica não carregaram a vergonha de ter em seus quadros Harry Shibata.
A DITADURA VEIO DE FORA – A DOUTRINA DA SEGURANÇA NACIONAL
A renúncia de um tiranete corrupto, alcoólatra e irresponsável em agosto de 1961, Jânio da Silva Quadros, fazia parte de uma tentativa de golpe. Só que Jânio não combinou nada com ninguém, a não ser os copos que tomava, enfrentou a oposição de Carlos Lacerda (então governador do antigo estado da Guanabara, hoje cidade do Rio de Janeiro), um dos seus principais aliados ao negar-lhe favores pessoais (entendia ser Lacerda um risco para seus projetos), acabou trazendo de volta à cena os militares que desde a deposição de Getúlio em 1945 vinham tentando impor ao Brasil o modelo cristão, ocidental e fascista desenhado em Washington.
Foi assim em 1954, em 1955 quando tentaram criar obstáculos à posse do presidente eleito, Juscelino Kubistchek e após a renúncia de Jânio. O vice João Goulart estava em missão oficial na China e os três ministros militares resolveram negar-lhe o direito constitucional de assumir a presidência da República. O marechal Odílio Denys (que traiu seus principais companheiros, dentre o marechal legalista Teixeira Lott), o brigadeiro Grum Moss e o almirante Sílvio Heck.
Foi a resistência popular e a ação do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola que, num primeiro momento, conseguiu assegurar a posse de Jango num regime parlamentarista votado às pressas ( Brizola recebeu apoio do general Machado Lopes, comandante do III Exercito, no Rio Grande do Sul) e num presidencialismo obtido pelo voto popular em janeiro de 1963, quando Jango, definitivamente, assumiu o governo.
A revolução cubana e a explosão de movimentos populares em toda a América Latina por governos livres dos interesses e do tacão fascista de Washington levaram empresas e governo dos EUA a criarem uma comissão específica para situações semelhantes em todo o mundo a chamada Comissão Tri-lateral AAA – AMÉRICA, ÁSIA e ÁFRICA – e foi essa comissão que desenvolveu a chamada doutrina de segurança nacional, minuciosamente descrita pelo padre Joseph Comblin num livro com o mesmo nome “a doutrina da segurança nacional”, aqui editado pela Editora Civilização Brasileira.
Se no A de América Latina surgiram ditaduras além das já existentes na América Central principalmente, surgiram também conflitos na Ásia e na África. No Vietnã, onde os franceses foram derrotados, em países africanos que lutavam por sua independência do colonialismo europeu (britânico, francês, belga, holandês e português). Os outros dois As da comissão.
No caso latino-americano um governo de centro esquerda como o de João Goulart, com propósitos de reforma agrária, nacionalização plena do petróleo, dos setores básicos da economia, não interessava e nem interessa aos EUA. Quem imagina que os Estados Unidos seja uma União de estados equivoca-se. Pode até ter sido, mas é apenas uma união de quadrilhas de banqueiros sionistas, empresários, o complexo militar/empresarial a que se referiu o general Eisenhower, hoje sob a batuta de um cervejeiro, Barack Obama. Branco de pele negra eleito presidente da República.
A derrubada do governo Goulart foi tomada montada em Washington com ação direta do embaixador dos EUA no Brasil (documentos oficiais revelam isso e estão à disposição no arquivo público daquele país, no Congresso norte-americano), Lincoln Gordon, do general Vernon Walthers, designado para comandar as forças armadas brasileiras pelo fato de falar português e ser amigo do ditador Castello Branco.
As lições de 1961, quando não conseguiram evitar a posse de Goulart, foram aprendidas e farsas de defesa da democracia como a “marcha da família com Deus pela liberdade”, pregações histéricas e abertamente golpistas de Carlos Lacerda, o controle da maior parte da mídia, a descarada intervenção norte-americana nas eleições de 1962 através de um instituto laranja para o golpe (IBAD – INSTITUTO BRASILEIRO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA), todo um cenário, para se chegar ao golpe.
1964 representou um grande expurgo de militares legalistas, nacionalistas, socialistas, ou comunistas, mais de dois mil, uma tomada de poder por delegados de Washington e um briga de vaidades entre generais repletos de medalhas por bom comportamento, ou torturadores como Brilhante Ulstra, por assassinatos, estupros, tortura, etc.
E já um ano depois foi rejeitado nas urnas quando Negrão de Lima e Israel Pinheiro foram eleitos respectivamente governadores da Guanabara e de Minas Gerais, mesmo sendo homens de centro. Toda uma ação planejada, bem pensada, dentro do contexto e dos limites traçados pela Comissão Tri-lateral AAA, foram seguidos à risca e a repressão brutal, sangrenta, assassina, cruel dos militares brasileiros começou desordenada, organizou-se precariamente (do ponto de vista deles) na OPERAÇÃO BANDEIRANTES, mas atingiu a limites de perfeição e requintes de barbárie na criação dos DOI/CODI, por todas as áreas militares e a associação com ditaduras de países como a Argentina, o Uruguai, o Chile e o Paraguai, na Operação Condor (objeto de mestrado da doutora Neuza Cerveira e com documentos oficiais), a partir dos centros do verdadeiro terrorismo, o de Washington.
Instrutores norte-americanos passaram a assessorar militares e policiais brasileiros, caso de Dan Mitrione o mais conhecido deles. Terminou executado em combate em Montevidéu no Uruguai.
Não só o treinamento, como a presença de agentes estrangeiros, a conivência e a submissão de militares brasileiros aos norte-americanos, como tecnologia de ponta na tortura transformaram o País num grande campo de concentração, onde quem não estava preso, silenciava com medo do terror oficial, ou então era cúmplice.
Brihante Ulstra é o exemplo claro, pronto e acabado de militar indigno em qualquer força armada digna se é que esse tipo de força armada existe. Ou se levarmos em conta o que chamam de honra militar.
É só uma ponta do processo que gerou monstros fardados e travestidos de democratas, patriotas, Brasil afora.
A ditadura veio de fora e dentro do contexto da guerra-fria, escorada na doutrina de segurança nacional.
Barbárie, violência e entreguismo puro, em essência.
Essa característica estúpida e boçal dos ditadores e seus sicários e não poderia ser outra, é genética, logo mostrou-se insuficiente para seduzir os brasileiros. Em 1970 o protesto da população foi silencioso. O número de votos nulos e brancos foi maior que o de válidos, mas os esquemas para que vencessem prevaleceram. Em 1974, derrotados de forma explícita nas urnas, tentaram manter as aparências, editaram o pacote de abril (governo Geisel), alterando as regras como a criação do senador biônico, eleito indiretamente, para evitar a perda da maioria nas eleições de 1978, até que, em 1982 começaram a ruir definitivamente, mas logo os donos inventaram a democracia como a que temos, com figuras como Collor, FHC e agora tentam impingir José Collor Serra, assustados com as poucas, mas significativas e expressivas conquistas do governo Lula, sobretudo a perspectiva de um Brasil soberano, numa América Latina que começa a se levantar contra o império nazi/sionista dos EUA.
Nas eleições de 1982, já sem o bi-partidarismo imposto de cima para baixo e sem o AI-5, a ditadura valeu-se de um penúltimo casuísmo. Ao perceber que seria derrotada nos grandes centros do País, em estados como Minas, São Paulo, Rio, Pernambuco, Rio Grande do Sul e outros, o ministro da Justiça Leitão de Abreu vinculou os votos de ponta a ponta, ou seja, ao votar num candidato de determinado partido, todos os demais candidatos teriam que ser do mesmo partido. Seriam eleitos desde os governadores, dois terços do Senado, a totalidade da Câmara dos Deputados, assembléias legislativas, prefeitos e câmaras de vereadores e estava em jogo a eleição do presidente da República em 1984, ainda pela via indireta, como previa a carta imposta desde o governo de Castello e golpeada em 1968 pelo AI-5.
Isso implicou na necessidade de reações imediatas da oposição para sua sobrevivência e estados como Rio Grande do Sul e Pernambuco foram perdidos na manobra, além, lógico, da maioria do Congresso Nacional. A ditadura não controlava os chamados grandes centros urbanos, mas os “coronéis” (esses com aspas) e os sem aspas controlavam o interior do Brasil, o que Tancredo chamava de “burgos podres”..
OS APETITES PRESIDENCIAIS E DITATORIAIS
O golpe militar de 1964, para além de interesses internacionais sobre e no Brasil, a cumplicidade das elites econômicas do País, revelou também apetites ditatoriais para além das forças armadas. Castello Branco foi uma imposição de Washington a partir do general Vernon Walthers, seu amigo pessoal (era o oficial de ligação entre as tropas da FEB e dos EUA na IIª Grande Guerra) e dos governadores Magalhães Pinto, Carlos Lacerda e Ademar de Barros, respectivamente de Minas Gerais, Guanabara e São Paulo.
Os três apostavam numa rápida transição de um governo militar para um governo civil eleito pelo voto direto, tanto quanto na eliminação de eventuais adversários à esquerda (ou presa, ou exilada, cassada) ou de Juscelino, a princípio, o grande favorito para as eleições de 1965.
O acordo que permitiu a eleição de Castello Branco, então chefe do Estado Maior do Exército e ligado à extinta UDN (foi cogitado para ser o vice de Jânio Quadros em 1960), todo ele conduzido sob a inspiração de Vernon Walthers e a batuta dos três principais governadores brasileiros, incluiu o antigo PSD e, lógico, JK, que era senador pelo estado de Goiás. O PSD era maioria no Congresso, setores do partido estavam levantando a candidatura do marechal Eurico Gaspar Dutra, ex-presidente e fora do campo de interesses e disputas dos golpistas. Dutra foi o condestável do estado novo em 1937 e quem comandou (diante do fato consumado) a deposição de Getúlio em 1945.
Magalhães Pinto, governador de Minas, ainda tem sua biografia não escrita com todas as letras reais. Um dos políticos mais corruptos e pusilânimes de nossa história. Sem caráter algum, sem princípios, o tipo do sujeito asqueroso, pois fala mansa, cheio de armadilhas e por aí afora. Ao perceber o inevitável, que dentro das forças armadas havia dois grupos distintos, os duros (Costa e Silva) e os moderados (Castello) e vários subgrupos em torno dos dois, assentou-se numa moita e ficou esperando para ver quem levaria a taça. Seria esse, como foi, o seu caminho.
Lacerda apostava nos seus vínculos com militares principalmente na Marinha e na Aeronáutica. Estivera no palco principal dos acontecimentos políticos desde o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio (bancou a candidatura do maluco dentro da UDN) e o golpe. Eram seus trunfos para ser ungido presidente em 1965, contando inclusive com eleições indiretas num primeiro momento.
Ademar sabia que estava na corda bamba, era visto como corrupto pelos militares e contava apenas terminar seu governo em São Paulo e num golpe de sorte virar uma espécie de presidente de conciliação.
Magalhães pulou no colo de Costa e Silva, virou ministro das Relações Exteriores. Lacerda num acesso de raiva ao saber que não seria o presidente em seguida a Castello acabou cassado e Ademar nem o governo terminou em São Paulo. Foi cassado e substituído por Laudo Natel.
JK saiu de cena mais cedo ainda. Pressionado pela linha dura Castello não cumpriu o que fora acordado quando de sua eleição. No meio do seu governo foi emparedado por Costa e Silva, seu ministro do Exército e a tentativa de indicar um civil, Bilac Pinto para sucedê-lo, morreu na frase de Costa e Silva ao viajar para o exterior e sabendo das manobras para demiti-lo – “viajo ministro e volto ministro” –. Estava definido ali o futuro presidente.
A linha dura vencera essa disputa e figuras como Jarbas Passarinho (major que traiu Lott, traiu Castello e quem se lhe opusesse) começam a aparecer e a dominar o cenário. O fato de ser major não o impedia de ser o principal, ou um dos principais articuladores da linha dura. Virou inclusive o preferido dos falcões norte-americanos para o desmonte do ensino público no País, entidades estudantis e dos sindicatos. Um célebre convênio MEC/USAID (Ministério da Educação e Cultura e Agência Internacional dos EUA para o Desenvolvimento – braço da CIA)..
Sobre Magalhães Pinto um episódio que ilustra a grandeza de João Goulart. JK e Lacerda reconciliam-se e promovem a criação da FRENTE AMPLA, em 1968. Levam a idéia a Goulart (Brizola e Jânio rejeitam) e a tentativa era a de uma grande mobilização popular pela retomada do processo democrático. Na viagem para Montevidéu onde foram encontrar-se com Jango, Lacerda confessou a Juscelino seu constrangimento diante das muitas críticas que fizeram ao ex-presidente e do seu papel no golpe de 1964.
Ao entrar na casa de Jango encontrou o ex-presidente de braços abertos para um abraço e ouviu as seguintes palavras –“venha cá governador, me dê um abraço, nunca lhe votei ódio, rancor ou mágoa, pois o senhor sempre foi oposição ao meu governo e a mim. Tenho asco do governador Magalhães Pinto que na manhã do golpe telefonou-me jurando lealdade. Não gosto de traidores”. Lacerda abraçou-o com lágrimas nos olhos e certamente um profundo remorso dentro de si.
O que não estava no programa foi o derrame sofrido por Costa e Silva. Fraco, ridículo, jogador contumaz, dominado pela corrupção familiar (sua mulher e filho), criou um problema para os golpistas. O vice era Pedro Aleixo, antigo deputado da UDN e de formação liberal. Israel Pinheiro, governador de Minas, em meio aos acontecimentos, convocara Aleixo a BH para tentarem uma frente de resistência. Aleixo abriu mão.
Sai o segundo golpe dentro do golpe. Os ministros militares sob o comando do general Aurélio Lyra Tavares afastam o presidente, formam uma junta militar (o AI-5 já era uma realidade) e promovem uma eleição dentro dos quartéis para evitar um racha de grandes proporções entre os militares. Sendo a força maior o Exército votou (oficiais) para escolher entre Garrastazu Medice e Afonso Albuquerque Lima. Medice levou amparado por Orlando Geisel e o terror desorganizado ganhou contornos de horror e boçalidade milimetricamente planejados e executados.
A eleição de Medice atende à doutrina de segurança nacional e o Brasil passa a ser o centro dos golpes na América Latina. Da tortura, da barbárie, da violência e da estupidez características de tiranos.
O que antes era uma operação financiada por empresários, a OBAN, vira Operação Condor envolvendo todo o chamado Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile e estende-se a América Latina como um todo). Era literalmente um esquadrão da morte. Mataram Orlando Letelier, Carlos Pratts, Juan José Torres, centenas de resistentes, Juscelino Kubistchek, uma história ainda não contada em sua totalidade.
Os militares se viram obrigados a esse jogo de cena de troca de generais entre outras coisas por conta de uma decisão do governo Castello Branco. Castello extinguiu o posto de marechal da reserva e limitou o tempo de generalato a quatro anos. Antes um general poderia permanecer na ativa até a chamada expulsória (70 ou 75 anos, não me recordo bem).
O desgaste internacional a que o Brasil se viu exposto com o governo Medice, a condenação por crimes sistemáticos contra os direitos humanos, a reação popular a cada eleição, acabou permitindo a Golbery do Couto e Silva, principal articulador dos chamados militares moderados, ressuscitar o general Ernesto Geisel, irmão de Orlando e que no início do golpe fora designado para o STM (Superior Tribunal Militar), uma espécie de túmulo para oficiais generais das três armas).
Se não era afinado com o irmão Ernesto, o ministro Orlando Geisel não se apôs e sendo ele a figura principal do governo Medice. Uma espécie de rodízio ficou acertado, o que permitiu a Ernesto Geisel ser eleito presidente da República, já consciente que era preciso começar a bater em retirada no velho estilo não tão depressa que pudesse parecer covardia, nem tão devagar que pudesse significar provocação.
O ministério do Exército nessa composição de caserna foi para o general Sílvio Frota que sequer falava, apenas grunhia e vociferava, bisonho e tacanho, mas com forte apetite para ditador. Quando percebeu que o indicado de Geisel seria o general João Batista Figueiredo, então chefe do SNI, tentou um golpe, abortado por um rápido contragolpe de Geisel com apoio do chefe do Gabinete Militar, general Hugo Abreu, de grande prestígio na tropa. A posição de Hugo Abreu soou estranha à linha dura, já que um dos seus integrantes.
Sem o AI-5, com a anistia decretada por Geisel, a volta dos exilados, a linha dura tenta articular-se em torno de Walter Pires, ministro do Exército, mas figura medíocre, sem liderança e escolhido exatamente por isso.
Figuras como Jarbas Passarinho, Mário Andreazza e outros pretendentes à presidência acabam atropelados por Tancredo Neves, em 1984, em seguida ao maior movimento popular do País, a campanha pelas diretas. Custaram a perceber que a candidatura de Tancredo fora costurada desde sua eleição em 1982 para o governo de Minas e entre os costureiros, o general e ex-presidente Ernesto Geisel. Geisel foi chefe do Gabinete Militar de Tancredo no período do parlamentarismo, no governo do presidente João Goulart.
Octávio de Aguiar Medeiros, general e a mais importante figura do governo Figueiredo (na área militar, na econômica Delfim Neto já havia engolido Mário Henrique Simonsen), foi o último general do período de 1964 a alimentar a pretensão de virar ditador. Não conseguiu sequer ensaiar um segundo passo, ele e Figueiredo não mais que relinchavam.
A ANISTIA
O acordo costurado pelo ditador Ernesto Geisel para suspender a vigência do AI-5 e decretar a Anistia começou pelas mãos de Petrônio Portela (ex-udenista, janguista, traiu no dia quando percebeu a vitória dos golpistas. Soltou um manifestou de apoio a Jango pela manhã, era governador do Piauí e outro de apoio ao golpe à tarde). Candidato a presidente morreu ministro da Justiça do governo Figueiredo.
Foi designado ministro da Justiça no governo do ditador João Batista Figueiredo exatamente para conduzir o processo que permitisse ao partido oficial eleger o primeiro presidente civil e acreditava que seria ele o indicado.
A essa altura do campeonato, nos Estados Unidos, matriz e condutor do golpe (houve arranhões durante o governo Geisel) a passagem de Jimmy Carter pela presidência desarticulou algumas forças pré-históricas, o bastante para que ditadura latino-americanas se sentissem ameaçadas.
É um detalhe significativo, mesmo Carter não tendo sido reeleito (nos anos que se seguiram ao término da IIª Grande Guerra, apenas quatro presidente não foram reeleitos nos EUA. John Kennedy que morreu assassinado em 1963. Seu sucessor Lyndon Johnson que desistiu em 1968 de pleitear a reeleição. Jimmy Carter que foi derrotado por Ronald Reagan e George Bush pai que perdeu para Bil Clinton).
O grande temor dos militares é que na eventualidade de um presidente civil com amplo apoio popular pudesse, com a anistia, adotar medidas de punição para torturadores como Brilhante Ulstra, Torres de Mello, Erasmo Dias, Romeu Tuma e outros tantos. Revanchismo era a palavra chave dos contrários à medida. Geisel estendeu a anistia a todos segundo ele “vencedores e vencidos”. Ao mesmo tempo que permitia a volta dos exilados, garantia a impunidade para o esquadrão da morte golpista.
E um grande obstáculo. A maioria dos militares se mostrou contra a anistia a Leonel Brizola em quem enxergavam o maior risco de volta das esquerdas ao poder. Carter, ironias à parte, foi o grande trunfo de Brizola. Militares ligados à Operação Condor haviam decidido assassinar o ex-governador no exílio no Uruguai, assim limpavam o terreno e Carter retirou Brizola às pressas de Montevidéu, evitando que o fato se consumasse.
Em 1979 voltavam os exilados e estavam cobertos pela garantia da impunidade os assassinos fardados do golpe de 1964. Os civis também. Romeu Tuma hoje é senador.
Brizola foi eleito governador do estado do Rio de Janeiro a despeito da tentativa de fraude num esquema conhecido como PROCONSULT, com participação de escroques, militares da linha dura e da REDE GLOBO. A empresa totalizadora de votos contava parte dos votos em branco para Wellington Moreira Franco, de um jeito que ao final da totalização Brizola fosse derrotado.
O esquema falhou por conta de uma armadilha montada para o presidente da PROCONSULT, testa de ferro dos verdadeiros interessados, onde a confissão foi explícita e o Tribunal Regional Eleitoral não teve alternativa outra que não totalizar os votos de forma correta e a REDE GLOBO engolir o resultado, inclusive com uma entrevista de Brizola.
O diretor de jornalismo da REDE, Armando Nogueira, acabou demitido ao admitir publicamente o erro da GLOBO.
A anistia no Brasil foi conseqüência de um processo de rejeição e repugnância pela ditadura militar, de necessidade de respirar ar puro, que acabou se transformando por força de ajustes aqui e ali, num grande acordo imposto goela abaixo e que manteve intactos os porões da ditadura.
Se os vampiros de 1964 hoje estão envelhecidos, surgiram figuras como Nelson Jobim, sinistro em todos os sentidos e permanece intocada na base militar, em sua maioria, a visão tacanha, bisonha e golpista que gerou 1964.
O tal profissionalismo, ou a consciência da realidade nacional, postura democrática, percepção que o papel de forças armadas é o de garantir a integridade do território nacional, a soberania do Brasil, de qualquer força armada em seu próprio País, em boa parte da América Latina e dos países que ensejaram a chamada COMISSÃO TRI-LATERAL – AAA (AMÉRICA, ÁSIA E ÁFRICA), nada disso existe.. Está viva, embora momentaneamente enfraquecida – não tanto quanto se supõe – sobrevive o espírito golpista.
E começa numa reserva de direito inaceitável consagrado pela constituição de 1988, imposto, de zelar pela ordem interna no Brasil. Os militares brasileiros, basicamente, permanecem subordinados a interesses das elites econômicas nacionais e internacionais. E na realidade da globalização (ou “globalitarização” como afirmou Milton Santos), adereço das grandes potências, particularmente os EUA.
O GOVERNO LULA – SÍSTOLE E DIÁSTOLE – A REAÇÃO DE JOBIM E DOS MILITARES
Certa feita perguntaram a Golbery do Couto e Silva, um dos principais ideólogos do golpe de 1964, a razão de ser de uma ditadura militar num País de dimensões continentais como o nosso, implicitamente o que significava abrir mão de um Brasil livre e soberano e o porquê de períodos que alternavam uma relativa democracia, como agora, a momentos de violência como 1964, fazendo do Brasil uma espécie de república de bananas, epíteto aos países da América Central sob o controle da norte-americana United Fruit.
A resposta de Golbery foi simples. O Brasil seria como que um coração que em seu processo de funcionamento, ora bombeia sangue para fora do músculo cardíaco, a sístole e ora relaxa e se enche de sangue – antes de cada batida -, a diástole. Ou seja, qualquer que fosse a situação, democracia ou ditadura o modelo seria sempre o mesmo. Abrir ou fechar era conseqüência das exigências do modelo político e econômico num determinado contexto de tempo.
Mais ou menos como a democracia pode ir até determinado ponto e ponto final. Se dali passasse, era hora de fechar. Endurecer.
A morte de Tancredo não gerou nos militares maiores preocupações, exceto no grupo do general Ernesto Geisel que tinha em torno do ex-presidente um projeto mais amplo. Uma travessia mais segura, ou pelo menos com riscos menores. Sarney não oferecia perigo algum, é um político menor, um “coronel” da ditadura, uma das muitas figuras asquerosas da política nacional.
A constituição de 1988, a despeito de muitas conquistas, mas todas sem pisar fora da linha do modelo (ou se uma ou outra o fizesse, o caso da emenda Gasparian que limitava os juros seriam ignoradas) consagrou as forças armadas como guardiãs da democracia. Ninguém pode guardar, tendo que avaliar, o que não conhece, ou o que não tem como princípio.
E pior, se não tem autonomia para isso. As forças armadas brasileiras, isso não tem nada a ver com o sucateamento da instituição, é outra história, outra discussão, noutro plano, são subordinadas ao modelo econômico vigente e isso passa por subordinação aos EUA. O nacionalismo de determinados setores termina no primeiro grito de ordinário marche, em sua maioria e a despeito de grandes líderes militares, mas todos via de regra colocados à margem.
O que molda a democracia brasileira é o esquema FIESP/DASLU, uma combinação de banqueiros, empresários, latifundiários escorados numa classe política podre (a maioria). Esse tipo de gente, elite, é apátrida. Gravita em torno de Wall Street.
Collor foi um acidente de percurso, um erro na linha de montagem da REDE GLOBO (parte viva do processo e um desafio a ser vencido, o da comunicação) e Itamar um breve período de transição para um “Collor” mais seguro e confiável, Fernando Henrique Cardoso, sem favor algum o político mais sórdido da história contemporânea do Brasil.
Um “general” Anselmo. Amoral, não hesitou em ajustar o País aos interesses econômicos de um mundo sem alternativas que o capitalismo ofereceu e impôs após a derrocada da União Soviética (por conta de erros de governos soviéticos, como muito mais pelas virtudes que pelos defeitos).
A eleição de Lula revela o verdadeiro caráter dessas elites e dos militares.
Um presidente operário, com propostas reformistas, que esbarra na necessidade de alianças políticas espúrias para sobreviver e conseguir avanços maiores ou menores, minimamente, preservar alguma coisa da soberania nacional.
E que recebeu um País falido, em vias de viver o mesmo processo vivido pela Argentina após a saída de Menem e a eleição de De La Rúa. Era a aposta da extrema-direita, já definida no campo político de PSDB e quejandos.
Lula escora-se numa invenção muito bem definida por Ivan Pinheiro “capitalismo a brasileira”. É atropelado por escândalos montados, orquestrados e dirigidos pela mídia. Cai em armadilhas, mas consegue através de políticas compensatórias aqui e ali, além de alianças com setores ponderáveis do empresariado, superar os escândalos, sair de armadilhas, alcançar níveis de melhoria social até então desconhecidos da grande maioria dos brasileiros das classes mais baixas e por conta disso, montado numa política externa competente (Celso Amorim), somando ainda o seu carisma pessoal, aos trancos e barrancos transformar-se num presidente que a despeito de qualquer crítica e dentro do modelo, pode, tranquilamente, ser citado como um dos três maiores. Getulio, Juscelino e ele. Jango fica fora por não ter completado seu governo, certamente teria alcançado resultados excelentes com as chamadas reformas de base.
O que Tancredo chamava de “burgos podres”, os territórios controlados eleitoralmente pelos “coronéis” políticos, é hoje a grande força de Lula, mas paradoxalmente, acrescentado de ponderáveis setores da intelectualidade, de forças de esquerda. Os grandes contingentes eleitorais urbanos são exatamente os que se deixam manipular pelo maior desafio à tarefa de formação e conscientização cidadã (palavra extremamente desgastada).
A mágica de uma política econômica ortodoxa, da busca de ruptura do monopólio norte-americano em setores da economia, uma ou outra peitada nos grandes interesses internacionais (que permitiram o avanço do empresariado nacional, mesmo associados ao estrangeiro, daí a “concessão”) e uma inegável melhoria na qualidade de vida de brasileiros em regiões onde a fome era a plantação principal, são esses, em linhas gerais, os traçados da popularidade do presidente, do seu carisma, de seu prestígio internacional, levando em conta também a crise que até hoje afeta os EUA, a China surgindo e se consolidando como grande economia e o capitalismo percebendo e sentindo o fim do neoliberalismo.
E, de repente, um grito de independência em vários países latino-americanos. Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Nicarágua, El Salvador, a própria Argentina, em maior ou menor escala, mas uma escalada que impediu, por exemplo, a ALCA – ALIANÇA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – algo como uma recolonização de toda a América Latina. A “mexicanização” dessa parte do mundo. O México hoje é um mero adereço dos EUA.
Essa política que muitas vezes é executada como pêndulo, ou seja, tropas brasileiras exercendo seus instintos assassinos no Haiti, ou na condenação de Uribe (traficante que governa a Colômbia com apoio dos EUA) quando do bombardeio contra território equatoriano (com cumplicidade criminosa de militares daquele país), trouxe a sensação que somo um gigante desperto, caminhando para caminhos de democracia plena, popular, quando, na verdade, não conseguimos nada mais que alargar a camisa de força do capitalismo.
E um dilema. Jogar o jogo enquanto se luta por algo maior, ou virar as costas e sair de campo?
Entregar o País a figuras como José Collor Serra, ou Aécio Pirlimpimpim Neves, ou qualquer outro nessa linha?
Marchar ao lado de Dilma Roussef na perspectiva de alargar um pouco mais a camisa de força e tentar rompê-la?
No Congresso do Partido Comunista Brasileiro o secretário geral Ivan Pinheiro deixou claro que a despeito das criticas a Lula e ao seu governo, o PCB não será o responsável por nenhum retrocesso, pois tem consciência da etapa que vivemos no processo histórico, mas nem por isso será cúmplice de equívocos ou recuos comprometedores de possibilidades de avanços efetivos na construção da democracia popular.
Cabe como luva em qualquer análise sobre jogar o jogo e como jogar para qualquer movimento ou partido de esquerda, socialista, ou comunista, democrático que seja lato senso. Transcende aos limites do PCB para inserir-se num espectro bem mais amplo, no mínimo o do bom senso e da consciência da etapa que vivemos.
É um delírio de Lula imaginar que possa resgatar a história sombria da ditadura militar e seus porões, mas é um dever, à medida que um delírio fundamental para o reencontro do Brasil consigo próprio, recuperar e cicatrizar o corte brutal que foi a ditadura no curso de nossa caminhada..
E é um delírio quando se imagina que militares e elites chegaram a um ponto de compromisso democrático, ou maturidade (putz) que aceitarão sem reagir esse tipo de atitude.
O projeto do secretário de Direitos Humanos Paulo Vanuchi é mais ou menos como você estar preso num tubo imenso, fétido, escuro e sem bem entender nada do que acontece e de repente encontrar a saída, a porta para respirar ar puro.
A reação de Nelson Jobim (ministro da Defesa) e dos chefes militares foi uma peitada no presidente e não surpreende ninguém, ou se surpreender, surpreende aos ingênuos.
Jobim foi ministro da Justiça de FHC e quando o processo de privatizações passou a enfrentar obstáculos no Judiciário, eivado de irregularidades, ilegalidades, corrupção, foi mandado para o STF onde ao tomar posse se declarou “líder do governo nesta corte”, iniciando a desmoralização da tal corte, que corre até hoje com Gilmar Mendes.
Cumpriu seu papel e voltou à sua origem. Foi para o governo Lula na esteira de alianças espúrias que pode tornar Hélio Costa, homem da GLOBO, vice de Dilma Roussef (assim como José Roberto Arruda seria o de Serra).
Os mais de oitenta por cento de popularidade de Lula não passam por ter levado aos brasileiros a necessidade de resgatar sua história e mostrar a barbárie que se viveu com o golpe de 1964. Muito menos exibir figuras trágicas como Brilhante Ulstra, coronel, cheio de medalhas de bom comportamento e cumprimento do dever, se levarmos em conta que dever se cumpria nas câmaras de tortura, estupros, assassinatos de adversários do golpe.
Essa popularidade começa e termina dentro dos limites do jogo eleitoral, do sistema, do modelo. Se pisar fora da linha chega a hora da sístole. O coração patriótico dos militares e das elites se contrai e se fecha para expulsar o sangue e curiosamente, para encher de sangue as veias do Brasil, para usar a imagem de Galeano noutro plano, noutra dimensão.
A hipótese de golpe, suave, brando, o que for, não pode ser excluída e nem deixada de lado.
A criminalização de movimentos populares, principalmente o MST (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA), a forma como a mídia age na construção de zumbis alienados na mentalidade de consumir em shoppings, vai exigir muito mais que popularidade de oitenta por cento que resulta de duas ou três refeições diárias.
Vai exigir que se enfrente o modelo e isso só com organização popular. Se, como disse Ivan Pinheiro, o partido que dirige não vai ser responsável pelo retrocesso, a bola, nesse momento, está com Lula. E pelo jeito o presidente chegou atrasado, tomou um “xambão como dizia Waldir Amaral narrando jogos de futebol.
Vai ter que jogar, se quiser, nas regras do modelo, do contrário, vai ter que vir para as ruas e buscar o que lhe cabia fazer desde o primeiro momento, forças para romper esse dique de impunidade, corrupção e instituições falidas, num faz de conta que vivemos numa democracia.
Os caminhos do Brasil passam pela unidade latino-americana. Não passam por Washington. Nem pelo esquema FIESP/DASLU. E braços tucanos, DEMocratas, ou de “socialistas” comprados a doze mil por mês, assim padrão Roberto Freire.
Os generais são só paus mandados dessa gente e a reação a abertura dos baús da ditadura é o exercício de esconder suas vergonhas. O lado tétrico das forças armadas.
Não é o lado de Lott, nem de Prestes, nem de Lamarca, nem de Cerveira e dos muitos militares silenciosos diante dessas vergonhas (a minoria), ou dos tantos que tombaram nos expurgos sangrentos e dolorosos de 1964.
Esse tumor tem que ser extirpado e essa história mostrada aos brasileiros. Do contrário seremos sempre meia democracia, isso não existe.
Não é possível a convivência num mesmo corpo e esse corpo se manter sadio, de Paulo Vanuchi e Celso Amorim, com vírus letais como Jobim, Hélio Costa e outros.
O significado real de Honduras é esse. O de alerta. E por isso Honduras é toda a América Latina.
Pelo jeito Lula vai engolir esse sapo.
Laerte Braga é jornalista e colaborador deste blog "Quem tem medo do Lula?".
Um comentário:
Laerte Braga,o mundo não é bem como você gostaria que fosse.
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